Apague a luz


  As músicas estavam tocando alto. Havia tanta lama no chão quanto na Woodstock de mil novecentos e sessenta e nove. As músicas falavam sobre juventude, liberdade e amor. Eu era jovem e estávamos brincando em meio a multidão. As luzes entravam em nossos olhos partindo nossa pupila ao meio. A música era cortante e as risadas se tornavam espontâneas.
  Parecia já antes preparado, quando eu seguia o próprio Diabo em busca da minha própria morte. Eu via uns dançando, outros se embriagando. Eu estava sóbria mas me sentia entorpecida. O mundo girava tão lentamente. O amor nos fazia graças. Era a mais solene canção tocada para aquele punhado de gente.
  Mas naquela noite, o mal foi disseminado naquele descampado. A covardia deu lugar a todas boas daquele lugar, deixando aquele ar pesado demais para que eu pudesse respirar. Meu corpo saiu de minh'alma e o meu espírito estava longe. Deus olhava para mim como um dia olhou para seu filho Jesus na cruz.
  Eu me dilacerava em solidão, entre milhares de pessoas que nos olhavam na valsa da morte. Suas mãos encravadas em minha cintura fazia meu coração ter sopros como a pequena Hurricane. As palavras gritadas eram como pequenos tiros de uma espingarda calibre doze em meu ventre. Olhos de rapariga me observavam de longe enquanto os eu tentava me esconder quando aquelas mãos feriam as minhas. O álcool era o combustível da noite infernal.
  Quando a música acabou, apagaram as luzes. O que parecia o fim, foi apenas mais uma elaboração de planos. Como era de costume se dizer.

Atrasada!

Modifiquei.

Houve então um dia em que saíram todos para brincar em um grande parque. Haviam pessoas por todos os lados e as vezes parecia que "Deus" tinha fechado os olhos para a humanidade. Turistas de outra estação nos observavam através das nuvens. A noite estava no seu início. Molhados até o joelho pelo capim do jardim, avistou-se um coelho que caminhava lentamente. Mãos no bolso, olhar distante. Con-cen-tra-ção.


"Não havia nada de tão notável nisso; nem Alice achou tão
estranho ouvir o Coelho murmurar para si mesmo, 'Ai, meu
Deus! Ai, meu Deus! Estou muito atrasado!' (quando pensou
nisso, bem mais tarde, ocorreu-lhe que deveria ter estranhado;
porém, naquele momento, tudo lhe pareceu perfeitamente
natural). Mas quando o Coelho tirou um relógio do bolso do
colete, deu uma olhada nele e acelerou o passo, Alice ergueu-se,
porque lhe passou pela cabeça que nunca em sua vida tinha visto
um coelho de colete e muito menos com relógio dentro do bolso.
Então, ardendo de curiosidade, ela correu atrás dele campo
afora, chegando justamente a tempo de vê-lo sumir numa grande
toca sob a cerca.
No instante seguinte, Alice entrou na toca atrás dele, sem
ao menos pensar em como é que iria sair dali depois.
A toca do coelho, no começo, alongava-se como um túnel,
mas de repente abria-se como um poço, tão de repente que Alice
não teve um segundo sequer para pensar em parar, antes de se
ver caindo no que parecia ser um buraco muito fundo."

O dia do Capeta



Quero comer tuas mentiras no café da manhã acompanhado de cachaça.
Transar sem camisinha com teu silêncio.
Beijar tua ausência quando ela chegar.
Quero discutir com tua preguiça e pegar um cineminha com sua indecisão.

No almoço, vou temperar tua cegueira com pimenta e salgar tua malícia.
Tudo isso banhado no azeite que corre do teu rancor.

Quero nadar de tarde nas tuas mágoas.
Ver o por do Sol com teu cinismo.
Abraçar forte tua frieza e contar piadas com teu medo.

De noite quando a Lua fizesse cena, eu arrumaria uma cama para teu egoísmo.
Com lençóis de cetim, forraria o travesseiro do seu desafeto.
Dá um beijo na testa da tua ambição.
Sentar-me numa poltrona ao lado de tua cama, com a mesma cachaça, esperando que tua infidelidade feche os olhos.

Asa Pequena


Então você achou que tudo estaria fácil para nós dois?
Baby, você sabe que caminhamos sempre em círculos.
Há alguma coisa ainda não resolvida para nós.
Bem, você me pergunta o que é preciso pra eu ir embora, mas você sabe o que é, você já fez isso.
Mas ok. Eu sabia que jamais poderíamos nos ver novamente
e parece que você achou que eu ficaria lhe esperando sentado na grama que você deixou morrer.
Agora me culpa por algumas palavras que eu poupei?
Eu disse a você que tudo estava bem.
Então por que não deixar como estava?
Parece sim que eu estava melhor antes, pois até o dia em que a verdade nos impôs a conversa,
eu não tinha necessidade de você.
Você diz que eu faço você perder a cabeça. Você me faz perder a paciência.
Agora está tudo frio novamente e você me acalenta com um silêncio familiar.
As coisas eram simples quando éramos jovens.
Mas não somos velhos ainda.
Me explique esse paradoxo?
Acha que um suposto amor deve ter nos envelhecido?
Você não acha engraçado por que brigamos se ansiamos as mesmas coisas?
Eu acho. Ou pelo menos, engraçado foi a palavra que mais encaixa.
Eu e você inventamos nossa liberdade nos perdendo de si.
Eu sei que sou um pobre menino frágil. E você sabe o que é?
Até quando músicas falaram por nós dois?
Olhe pra você e me diga o que te falta.
Então vou te olhar nos olhos e dizer o que eu preciso.
Quando isso acontecer, talvez estejamos já velhos e cansados.
Não correremos mais e nem sonharemos com um futuro feito de rosquinhas mabel e café.
Talvez seja tarde demais para realizarmo-nos como amigos que sempre fomos.
Mesmo querendo, algumas vezes, nos beijarmos loucamente.
Anyway. Façamos um trato.
Pegue essas pequenas asas quebradas e aprenda a voar.
Toda a vida você esperou por isso.
Tomorrow I'gonna be by your side.

Noir



  Eles cortam nossas gargantas como se nós fôssemos flores e o nosso leite foi devorado. Quando você quer uma coisa, ela vai embora depressa demais. Tempos que você odeia, sempre parecem demorar. Mas apenas se lembre, quando você pensar que é livre, a rachadura dentro do teu maldito coração, sou eu.


Eu quero exceder a velocidade da dor por mais um dia.

Gostaria de poder dormir mas não consigo deitar em minha cama porque há uma faca para cada dia que eu te conheci. Quando você quer uma coisa, ela vai embora depressa demais. Tempos que você odeia, sempre parecem demorar mais. Mas apenas se lembre: quando você pensar que é livre, a rachadura dentro do teu maldito coração, sou eu.

Eu quero exceder a velocidade da dor por mais um dia.

Minta pra mim, chore por mim, dê para mim - Eu o faria
Deite comigo, morra comigo, dê para mim - Eu o faria

Guarde todos os seus segredos embrulhados em cabelo morto, sempre.

Minta pra mim! Chore por mim! Dê para mim!
Deite comigo! morra comigo! Dê para mim!

Espero que morramos de mãos dadas. Sempre.

Duzentos e dezenove

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Em uma sala, em algum lugar.

- Eu me lembro muito bem daquela noite. Eu sinto o cheiro daquela noite no vestido branco que eu usava. Os cigarros tinham acabado e o vinho também. Ele então pegou as malas, o violão e se foi...

- O que você sentiu?

- ... Querido, não me interrompa. O que eu estou pra lhe dizer você nunca ouviu. Então guarde a caneta e o papel e escute com atenção.
   Ele tinha alguns trocados no bolso, estes suficientes para ele ir embora. Eu sabia que ele precisava ir, mas não queria que fosse. Você já soube o que é precisar de algo e não poder querer?...

- Aan...

- Baby, é algo que te corrói por dentro. Deixa você com arritmia e te envelhece. Se o vinho soubesse o que é amor, envelheceria muito facilmente, mas seu sabor seria muito amargo... (Trago no cigarro). É por isso que a casa é constantemente escura e vazia. Meus móveis e a "luz" se foram com ele. Eu entendo que isso tudo talvez seja muito pra você entender, talvez eu não esteja usando as palavras certas, mas baby, quem pode explicar um coração partido?
(Um gole de vinho)
  Marca meu caro. Marcou meu corpo. A data e a forma em que aconteceu. Ele foi chamado pelo blues e se foi. O blues é meu romance-noir. Eu o amo, mas ele me tirou o que mais amava. É como um homem viril que crava as unhas nas coxas brancas de sua fêmea e não a beija. Ou como o homem que só beija sua mulher uma vez.

- Me fale sobre a despedida.

- Eu... bem... (trago no cigarro, olhando pela janela). Eu estava na sala. Ele saiu do quarto, me olhou nos olhos, passou a mão no meu rosto e o polegar na minha boca. Naquele instante, senti que estava perdendo algo. Senti isso muito intensamente. Ele me olhou como se estivesse falando comigo, mas em silêncio. Aquele pequeno instante pareceu enorme. Vi nossas vidas passando em minha frente. Eu segurei sua mão e o abracei. Ele apertou sua mão nas minhas costas.
   Eu o soltei e de olhos fechados abri a porta. Ele deu um meio sorriso como costumava dar e me perguntou com um ar humorístico: "Quer me ver indo não?". Eu ainda de olhos fechados sorri. Ele veio perto de mim e meu corpo tremia, sem parar. Sussurrou nosso segredo, passou a barba em meu rosto e se foi. Eu fechei a porta e só conseguia ouvir o tic-tac do relógio que ganhei de presente da minha mãe. Eu ouvi ele por umas 1500 vezes e eu corri para a estação. Vi ele entrando no trem, pra longe de mim.

(Sorrindo)


"Quando um homem recebe blues, Senhor, ele pega um trem e passeia
Quando um homem recebe o blues, Senhor, ele pega um trem e passeia
Mas quando uma mulher recebe o blues, querido, ela abaixa a cabeça e ela chora"

Coma White


"Naquela noite eu tinha bebido demais. Eu estava muito feliz naquela noite. Há muito tempo não ficava perto de quem escolheu me amar. Nem dos meus amigos. naquela noite eu tinha cantado Blues com meu melhor amigo. Ele me ensinou a tocar baixo e sorria pra mim de vez em quando. Novamente, a ocasião pedia aquela música, que por fim não foi tocada, apenas ouvida.
Saí do recinto inicial e parti para outro. Eu estava duplamente bebada. Algumas pessoas sorriam de mim, outras comigo. Alguns dançavam comigo, outros dançavam pra mim. Um beijo! Poucas palavras e óculos de grau.
Eu fiz sexo. Eu gostei do que fiz. Morguei. Meus amigos então vieram conversar comigo. Tinha uma cobra que brilhava no quarto. Eu ainda estava muito feliz naquela noite. Eles se foram depois de muitas risadas contadas. Eu caí em sono profundo.
Um sono profundo que me rendeu uma dor infinda. Quem me dera ter sido a ressaca ou o cansaço depois de um fim de semana exaustiva. Durante a noite, o Sol resolveu nascer mais tarde. Deixou solto os monstros que estavam vagando por ali. Meu corpo, jogado às tralhas era muito suculento para qualquer um desses. E realmente foi. Um deleite para outro, que me tocou sem eu ver.
Acho que devo ter sorte pra isso. Volto eu então a ter medo das sombras e à ser amante da madrugada longa de 8 horas. Estou um caco. Novamente dada aos leões. Em tão pouco tempo... Hoje estou torcendo pra que os Vinte-sete venha tomar um café comigo, talvez, condimentado com o seu açúcar. Hoje eu já não quero mais sair."

Depoimento de Lisa. 27/11/1968. Aniversário de Hendrix.

Soda Cáustica


Hoje acordei com uma vontade enorme de te trancar em um quarto. Vendar seus olhos e te deixar numa maca feita inox sem algo pra cobrir sua pele. Quis então deixar na sua cabeça uma gota de água permanente, pingando e pingando... sem parar.
Te deixaria lá por horas, sem medo de te deixar tocar o lado mais fraco do meu ser, a pena.
Depois, com uma lixa de parede, lixaria a pele do seu braço e temperaria com sal a carne viva que ficaria ali.
Te deixaria acordado e com garras nos olhos para que não perdesse cada segundo. Como Kubrick, deixaria você assistindo os mais inescrupulosos crimes.
Prepararia de antemão várias agulhas. Agulhas para eu sobrepor em suas unhas. Centenas de agulhas embaixo da sua unha. Para te alimentar, separaria a carne em putrefação com vermes de inúmeras espécies. Em seguida, colocaria pra tocar Marilyn Manson pra você dormir, pelo menos pelas próximas 15h, à 180 decibéis.
Te perfumaria com soda cáustica. Te faria sentir o que senti. Apertaria seus testículos com alicates. De cabeça pra baixo lhe prenderia em uma cadeira de ferro. Rasgaria sua boca com um serrote. Furaria seus olhos com 7 palitos de dente cada um. Você comeria suas próprias fezes. Em todos os buracos possíveis, eu colocaria vermes e insetos. Aranhas de todas as espécies. Estouraria a sua bexiga com um arame introduzido pela sua uretra. 
Hoje eu acordei pra te matar!

Limbo





Gritaram na minha porta algumas pessoas com zíperes nos olhos. Era mais um caso de abstinência que me coloca de novo de frente aos meus medos. Estava com uma neblina linda aquele dia. Nem eram 6h da manhã ainda. O dia estava nascendo com um caso que mudaria minha vida. Eu desci as escadas com a roupa que estava, esquecendo que estava frio lá fora. As pessoas choravam e falavam alto. E eu as via em câmera lenta pensando primeiro por que pareciam tão cinzas, porque estavam chorando e o que diabos elas queriam me dizer. Naquele momento, eu comecei a pensar porque meu trabalho era esse: descobrir crimes. Por que eu? Essa era a pergunta mais idiota pra ser feita naquele momento. No meio dos choros sem fim e gritos desesperados, eu disse:

- Preciso de um café.

Disse isso como quem tem uma idéia. Saí rumo à padaria. Sentei em uma das cadeiras, pedi um café, um pão e esperei. Com bondade, a moça, que devia ter uns 50 anos, me pergunta:

- Quer que esquente?

Eu ainda não conseguia responder o que ela tinha me perguntado. Estava pensando nas pessoas que deixei na porta da minha casa. O que elas queriam me dizer? Quase que lendo minha mente, ouço um casal de jovens atrás de mim que, parando de sorrir, começaram a entrar num assunto que dava a impressão de que eu participava. Eu e minha mania de participar de conversas alheias. Mesmo que calado, participo como um mero ouvinte. O assunto era comum. Mais uma morte, ou um suicídio, ou um assassinato. Alguém tinha morrido. Pra eles era irrelevante. Para mim era um modo de me afogar em conforto. Voltei para casa depois de ouvir o caso das pessoas que choravam e gritavam. O Sol estava lindo naquele dia cinza. Ouvi as pessoas uma de cada vez. Mas prestei atenção somente no que o menino tinha me dito:

- Ela estava rodando e rodando em um pé só. As pessoas riam. Ouviu-se um fogo no ar. Ela caiu. A música acabou. As pessoas choram.

Isso era a coisa mais clara pra mim. Estava óbvio. Só precisava chegar ao lugar certo e encontrar as coisas, ir atrás do corpo (se houvesse), conversar com algumas pessoas, beber um pouco de café e tudo estaria bem.

O corpo não estava mais lá. Havia sido furtado. Isso complicava as coisas. O café havia passado. O sol havia passado. As nuvens haviam passado. Onde estaria? Nos braços de um necrófilo mau?

O mais intrigante é que tudo o que havia lá era um cérebro pulsante, a projeção de um lábio repartido e um longo pergaminho.

Se o cérebro estava lá, se os lábios se projetavam lá, se os pergaminhos estavam lá, onde estava o maldito corpo?

Se o cérebro estava separado, quem garante que não o estavam os outros órgãos? Os músculos cardíacos. As entranhas. Os olhos. Os ouvidos. Os rins!

E o mais grave era a incerteza: estava viva? Estava morta? Estava no limbo? Esta vagando em busca da massa cinzenta?

Mas mantive a calma. Tudo o que precisava era investigar outros casos pendentes, inspecionar outros corpos, até que em algum deles descobrisse o dela. Beber um pouco de café. E estaria tudo bem.


Fiquei sabendo que um grande show estava acontecendo ali. E que a chuva molhava as telhas enquanto uma música de ninar fora entoada como um funeral.

Cama. Coma. Cuma?



Tirei o dia pra brincar com as palavras. Peguei elas pelas mãos e as levei no parque. Balançaram e correram. Sorriam como meninas. Tragaram-me pouco a pouco enquanto traziam-me pra realidade doce que eu tinha nas mãos. Em pequenas doses, sugaram-me sensualmente para dentro delas. Devastaram meus devaneios devassos. Me cobriram e cumpriram a nova ordem.
As vírgulas pulavam dos áquarios. Bares abertos, carros fechados, olhos atentos. Ares desertos, rastros apagados, horas imensas. Eu e você sentados em cadeiras, um de frente para o outro. Eu e você no mesmo corredor, um de frente para o outro. Eu e você, de frente para o outro.
Respiração a mil. Procuro na minha bolsa Captropil, Bronfilil... Quando me vi, já tinha se esgotado os "ils" e o ar. Apaixonei-me inocentemente pelo 180.1 lotado. Culpadamente pela ida sem vim. Pelos devaneios. Pelos renascidos de luzes. Pelos palhaços com rostos pintados. Pelos equilibristas. Pelos calculistas.
Tirei o dia pra brincar com as palavras. Tirei o dia pra me tirar do dia.

Para Devana



"Às vezes em que queimei minha guitarra foi como um sacrifício. Você sacrifica as coisas que você ama. Eu amo a minha guitarra. "


Jimi Hendrix

la maison dieu



Eram umas 3 horas da manhã. Para muitos essa era a hora crucial. Deus escuta nossas orações melhor às 3 horas da manhã. Os grandes feitos eram feitos na terceira hora do dia. Eram três horas da manhã e eu pude ouvir ela me chamando no meu portão.
Eu que ainda estava acordado, insano na noite, pensei que já estivesse surtando. Ouvi novamente ela me chamar como quem não vai parar. Me chamava sensualmente desesperada. Eu fui até a sala e fiquei olhando pelo vidro.
Ela estava segurando as grades do portão. Vestidos claros com flores na ponta. Uma jaqueta jeans e uma sandália que desenhava sua perna. Seus olhos estavam embaçados eu não conseguia olhar com detalhes. Abri a porta.
Parecia que só havia na Terra eu e ela que me chamava. Eu ainda estava com a roupa da festa. Meus olhos ainda estavam pintados. Meu corpo ainda cansado. Eu então dei alguns passos. E então pude ver seus olhos. Olhos com um formato peculiar. Sobrancelhas finas. Olhos marcados com kajal negro. Marcados por algo mais que não sabia o que era. Ela me olhou sorrindo como quem não acreditasse. Parecia distante. Parecia em outra dimensão.
Ela me olhou e disse como se as palavras fossem dela: Eu sou a tua morte, vim conversar contigo. Vim te pedir abrigo. Preciso do teu calor. Eu sou!
Aquilo para mim tinha sido um milagre. Meu rosto ainda estava da mesma forma, meus tics nervosos não mudaram nem alteraram. Mas o meu coração estava em chamas. Eu tinha colocado fogo no meu corpo. Eu estava quente com a temperatura à 6°C. Eu estava em fogo. Não tinha entendido ainda como ela chegou ali, de onde ela veio, para onde ela queria ir. Mas ela estava na minha frente, com a poesia mais bela na boca. Um milagre ela ter lembrado daquelas palavras. A música com o nome estrangeiro.
Ela se sustentava nas grades e seu corpo pendia para trás. A luz laranja do poste mostrava seu rosto com mais detalhes. Era a menina mais linda que já houvera estado tão desesperada. Tão desesperada que sorria e repetia as palavras. Um blues deveria ter sido feito em ode aquela cena.

Doorframe



Eu cheguei na casa dela e tudo estava meio estranho. O portão estava aberto e a porta também. Eu subi.
Todas as coisas estavam encaixotadas. Papéis em pastas-portifólio. Tapetes enrolados e amarrados com um elástico. Camisetas em rolinhos dentro de caixas grandes. Calças em caixas perfeitamente ajustadas ao tamanho delas, todas alinhadas. Cós para um lado, cós para o outro. Suas maquiagens em pequenas caixinhas. A TV e o Som ensacados. A cama já não estava lá. O sofá também não. Nada, para ser sincero estava, além de caixas de roupas e coisas que ela tinha.
O Sol se encarregava de iluminar a sala e ali mesmo eu sentei. Por alguns segundos fiquei pensando o por quê de se mudar daquele lugar. Se tudo vai permanecer igual, e aquele lugar era o nosso lugar. Então, ela entrou na sala com shorts jeans claros, descalça, sem maquiagem, com uma blusa de algodão branca de alças finas, sem sutian, como ela costumava ficar quando estávamos juntos.
Ela me olhou por algum tempo, com uma voz meio estranha ela me cumprimentou e sorriu. Colocou uma blusa em cima de uma das caixas que lá estavam e sorriu pra mim novamente. Sentamos no batente da porta ficamos nos olhando por alguns minutos. Eu acendi um cigarro e dei um pra ela. O silêncio era o que mais falava. Era engraçado olhar para ela daquele jeito. Sua pele estava amarela pela luz. Eu não queria perguntar nada, ela parecia também não querer. Queríamos apenas fumar aquele cigarro todo, esperar os tic-tacs ser cantados até o fim.
A luz deixa seus olhos avermelhados, assim como o seu cabelo. Ela está mais magra. Tem um cheiro que eu reconheceria à quilômetros. Ela não me olha diretamente e brinca com a fumaça. Eu fico ali pensando que isso tem que acabar uma hora, mas seria tão bonito se continuasse por mais algum tempo.
Eu olhei ao meu redor e vi que uma das caixas tinha meu nome. Eu fiquei olhando e ela percebeu isso. Eu então me levantei e deixei com ela apenas a carteira de cigarro e o isqueiro. Fui no banheiro fazer o que costumava fazer e peguei nas mãos a caixa. Pensei achar lá dentro algumas das minhas roupas, algumas das minhas coisas que tinha deixado lá. Abri a caixa e tudo o que tinha uma pilha de cartas.

-Por que você não veio antes?

151415

http://arieneforeveryoung.deviantart.com

Calor para acalmar o tédio. Desculpas para te ver sorrindo de novo. O preto dos olhos acabou. Ela estava blue naquela noite tão viva. Tão blue que seus passos estavam lentos de mais para o resto do mundo. Os hidrantes passaram despercebidos por ela. Sua voz estava com uma força que só se tem nas maiores adversidades da vida. Ela estava morrendo e eu era o único que sabia disso.
Ela estava com um toque frio e disfarçava sua verdadeira tonalidade com o batom vermelho. Ela esqueceu o preto dos olhos, me revelando seus motivos de estar assim. Entre todos, eu sabia que ela estava blue. Tão blue quanto um elevador vazio que não tem pra onde ir. Tão blue quanto um peixe que não sabe voar. Sua voz, entretanto, salvava-a em pequenos sussurros que dizia quando me abraçava.
Eu não acreditei, mas o que eu ainda não tinha percebido, me veio à tona como um soco na barriga, uma facada no pé do estômago: ela tinha voltado. Viva ali na minha frente, tão blue quanto o dia em que a vi pela primeira vez.
Vestidos cinzas, boca vermelha, olhos marcados. Uma menininha que contava os seus dedos. Ela estava de volta, com o mundo nas costas e uma grande estrada nos pés. Cansada e ofegante. Ela respirava profundamente quando bebia da minha bebida favorita. Uma mente fantasiosa andando nas nuvens enquanto seus pés estavam presos por um grilhão que pesava muito. Morta e viva na minha presença. Falando com veracidade dada pelo vinho da noite.
Com medo, com esperança. Uma menininha que contava as gotas da chuva. Naquela noite, onde seus efeitos já não eram fortes contra mim, eu pude observar de longe e ver como realmente era a verdade daquela garota.
Antes de tudo era uma garota, e só por isso eu já podia esperar o inesperado. Seu corpo não era como os corpos idolatrados pela maioria, mas ainda assim era admirável. Uma mente esperta que se fazia de lenta. Uma mente cansada se fazendo de viva. Algo nos olhos delas me intrigam para um mistério já revelado.
Nunca houve perguntas que não soubesse a resposta. Ainda assim, eu queria ouvir ela me dizer isso como um deja vù. Ali, ao lado dos hidrantes, onde tudo começou, tudo teve o seu fim.
Ela saiu como quem não vai voltar. Sorriu e acenou para todos, mas eu vi ela morrendo diante dos meus olhos.
(...)
Foi achado um corpo perto das luzes que não se apagam. Foi achado um corpo e não se sabe como, ele estava intacto. Nenhum arranhão.

Ela ainda está viva.

Seca



Acabou meu tesão.
Acabou. Está seco.
Seco.
Agora que chove, tudo está seco.
O tédio toca pra mim.
A preguiça se rasteja em meus pés.
O telefone toca por horas e eu apodreço no sofá.
O cansaço encurta meu fim de semana.
O cansaço me broxa na cama.
Gira o mundo e eu parada, esperando segunda-feira chegar.
Trabalhando para enriquecer uns.
Trabalhando para empobrecer outros.
Moro numa periferia.
Que não fica à 20 minutos das mansões da cidade.
Ainda assim é periferia.
Ainda assim sou pobre.
Posso até escutar daqui a risada do gerente do banco.
Posso ouvir ele rir da desgraça que está a minha conta.
Posso ver nos olhos deles o desejo do dinheiro.
Daqui da periferia, onde a arte nasce e morre todo dia
sinto forte o cheiro do desespero rodeando minha casa.
Trabalhar, estudar, trabalhar, estudar.
Vida de cão.
Vida de gado.
Esperar 4 anos pra ser alguém de importância relevante.
Escolher alguém de importância irrelevante para não se importar.
Vida de cão.
Vida de gado.
Sujeito à votar. Sujeito à sujeitar-se.
Sujeito que trabalha para ganhar um mínimo insuficiente.
Cansei dessa rotina.
Secou meu talento.
Minhas palavras estão cinzas.

Com'on baby, let me stand next your fire!

Meu maracatu pesa uma tonelada!

Era uma aula de sociologia que me lembro muito bem. No meio de uma discussão sobre música e contracultura, eu disse ardentemente que o rock'n'roll tinha morrido no Brasil. A professora que não era comum, retrucou e me falou sobre algo que misturava maracatu, samba, reggae e rock. Eu então disse que era ilusão. Ela me disse que eu tinha a mente fechada. Na aula seguinte ela me deu um pen drive, dizendo que eu abriria minha mente com ele. A primeira música, TODOS ESTÃO SURDOS. Senhoras, senhores, cavalheiros e damas... Nação Zumbi.
O mangue é um dos ecossistemas que mais "produzem" e comportam vida. Recife (Manguetown) é cortada por seis rios, rodeada de mangues. Cresceu e logo apareceu. Com ela alguns problemas socio-economicos-culturais. Com eles, cresceu e apareceu um movimento idealizado a partir de tal "produção de vida" que há no mangue. Boys e Girls que decidiram viver longe dessas coisas para que pudessem assim, começar a mudar suas cabeças e então mudar essa história. Então joga nessa panela de barro o Hip Hop, Rock, Samba, Reggae, Música Eletrônica e alguma coisa que ainda não tem definição. Surge da cabeça desses indivíduos que prezam por:tv interativa, anti-psiquiatra, Bezerra da Silva, Hip Hop, midiotia, artismo, música de rua, John Coltrane, acaso, sexo não-virtual, conflitos étnicos e todos os avanços da química aplicada no terreno da alteração e expansão da consciência. Surge da cabeça desses, o MangueBeat liderado e traduzido na banda que leva o nome de Nação Zumbi. Mais que um ritmo, mais que uma banda. Uma ideologia com letras feitas para mudar a cabeça das pessoas. Uma ideologia traduzida em músicas que tem letras ora tão profundas com palavras que parecem ser indizíveis e ora metaforicamente mostra o cotidiano em subúrbios e em centro de cidades, mostrando a influência da mídia e do governo na sociedade.


Idéias talvez ainda à frente do nosso tempo. Algo que não se pode delimitar ou definir. Não é samba, mas tem samba. Não é rock, mas tem rock. Não é mpb, mas ainda assim é música popular brasileira. Não é eletrônica, mas ainda tem a música eletrônica presente. Creio que são de coisas tão completas e vivas que precisamos ouvir. NZ leva a bandeira da originalidade cultural. O criar é presente. O inesperado é seu presente. Seus álbuns ora tão diferentes uns dos outros, parecem ser a continuação um do outro. Músicas que parecem gritos de guerra, que parecem trava-línguas. Tão Brasileiras, tão Pernambucanas.


Tenho a seguinte visão da música brasileira: as pessoas se rendem ao regionalismo. Por exemplo: as pessoas que moram em cidades onde 90% da música ouvida e divulgada é o forró, o forró será ouvido com mais facilidade. Quando um artista, que vem de uma região com músicas tão características, faz algo diferente do esperado pela população, é realmente lindo. A coragem, a garra, a vibração da diferença. VIVA! Mas quando, no meio desse regionalismo, outros vêm com o que tem em mãos, unem ainda a isso o que a região tem, com idéias para mudar essa tal região, é DIVINO! A mudança gerada na cabeça das pessoas, a opinião questionável proposta, ritmos que levam o maior número de "Caranguejos com Cérebro" à desenvolver-se primeiro pessoal e depois socialmente é algo para ser aplaudido de pé.


Não quero nessa postagem falar sobre os álbuns, sobre a estrutura ou mesmo sobre o Chico Science. Quero aqui mencionar minha enorme admiração a criatividade infinita desses caras que saíram do Pernambuco para o mundo, levando na bagagem suas idéias, seu talento, samba-rock-eletro-hip-hop-maracatu. Da lama ao caos e do caos à lama, pra abrir os ouvidos dos que se subordinaram à surdez absoluta. Quero mencionar minha enorme paixão aos que desorganizam para se organizarem, aos que nos levam para um mundo livre, aos que abrem a cabeça para pensar, aos que fecham os olhos para as propagandas.


TOCA NAÇÃO!

Little girl.

Sensualmente natural. Pele branca. Lábios finos. Andar solto. Risada livre. Pensamentos rápidos. Cálculos perfeitos. Mãos quentes. Traços precisos. Vermelho, branco, preto. Uma rosa. Algumas palavras.

Prepare-se para conhecê-la.

Quando o relógio pára.

Então. Não gosto dessa parte de ter que justificar a ausência de postagens. Apesar de tanta coisa pra falar, estou pecando pelo tempo. Sim, há muito a ser dito, mas não há tempo para organizar e dizer. Olha só:


7 am - Acordar/Trabalhar
12 o'clock - Almoço
1:45 pm - Trabalhar
6 pm - Ônibus (viagem de 1h)
7 pm - Faculdade
11 pm - Ônibus
00 am - Chegando em casa
00:30 am - Dormir

Sendo assim, me restam no total, umas 8 horas para dormir e comer. Por isso ainda não terminei o post do Pink Floyd, por isso ainda não postei nada de interessante, por isso o blog anda às traças.

Penso seriamente em fechar o VD. Penso seriamente em passar a bola pra outrem. O que faço?

Não espere por 2012

Denomine-se Gado e aceite essa condição. Só assim você poderá se despir da falsa impressão de ser independente, autonomo, anarquista... Você é só mais uma peça de carne feita pra dar dinheiro ao povo, acostume-se com isso. Desmistifique-se. Sua vida não é livre e o conceito de liberdade que você tem é uma utopia. Depois que você se acostumar com isso você vai entender no que você vive. Abra os Olhos!
Estão nos criando para sermos eternos frios, consumistas, doentes por opção. Olhe ao seu redor. As escolas apenas reproduzem o falso conceito de conhecimento livre, dizendo que hoje o professor é um guia, um mediador? Ele apenas reproduzindo para milhões de pobres o que a elite determinou como importante para vencer na vida. E a pensar? Quem nos questionará sobre o que somos dentro do Sistema? E há como sair disso?
Estamos acostumados a viver dentro de um regime perfeito do Capitalismo. Não entenda perfeito como algo positivo. Apenas entenda como é: um Sistema desprovido de falhas. Venham todos e tentem me provar o contrário. Não é só um Sistema Econômico. É um Sistema de alienação em massa. O que poderia pará-lo é a conscientização de todos, o que é barrado por ele mesmo. Vendem-nos a imagem de vida perfeita que só se tem trabalhando e enriquecendo donos de multinacionais. Vendem-nos os alimentos envenenados para que lotemos as farmácias, loucos por todos as drogas que nos oferecem, tendo que pagar com nossas próprias vísceras.
Estão transformando em nada a única coisa que poderia mover as cabeças para um novo âmbito: a Arte. Faz arte para guiar o povo para seu melhor fim, o suicídio. Filmes, publicidade, imprensa... Pouco a pouco sufocando as idéias de todo uma raça. Distribuindo gratuitamente a frieza. Músicos que se vendem fácil por mais e mais dinheiro. Pra que? Pra ter 100.000 cabeças de Gado em um estádio? Movimentos que se dizem contra-culturais perderam seu sentido. A nova moda agora é competir pelo melhor espaço.
Não se pode falar que um dia acabará pelos impactos naturais. Estamos vivendo esses impactos e você ver o Sistema cada vez mais disseminado em cabecinhas. Mas a mídia nos ensina a não nos interessar por isso. Não enquanto isso lhe for aprazível.
Você já nasce devendo ao Estado que faz o quê com seu dinheiro? O que? 
E eles podem dizer que é errado matar, roubar, destruir? O que estes que se dizem íntegros e que se dizem representantes estão fazendo? O que eles estão fazendo quando nos nega a mínima saúde? O que eles estão fazendo quando nos ensina a aceitar tudo sem questionar?
Chame-me de pessimista, tente mudar meu ponto de vista. No fundo, você só estará tentando negar o que pra você já tinha feito sentido. Então você me fala sobre as crianças... Bom, as crianças são educadas em escolas que públicas ou particulares, têm o mesmo foco (às vezes sem nem perceber): Competição. Um das vertentes do tal Sistema. Competir, sempre, por mais e mais e mais dinheiro. E pra quê? Pra ter aquela primeira imagem de vida perfeita que lava nossas mentes em todos os meios de comunicação. Acorda! Estão vendendo nossas vidas em um leilão! O mundo se rendeu a isso e somos obrigados a nos render. Não há como sobreviver dentro do Sistema sem adotá-lo. Há como você viver aqui sem trabalhar para se sustentar? E o que os que se dizem Hippies estão fazendo? São marginalizados os que vão contra. São taxados como vagabundos e inúteis. Talvez sejam, mas inúteis para servir tal sistema. Então são sentenciados ao isolamento.
Veja a humanidade presa em uma bolha. Observada, tele-guiada, matada todos os dias. Uma bolha de destruição, com pouquíssimos que não se rendem. Pouquíssimos que não adotam esse estilo de vida, aliás, este SISTEMA DE MORTE. Então, junte-se a eles. Resolva fazer uma grande campanha, um grande movimento. FURE A BOLHA... E quando furar veja que o que você pregou foi aceito por centenas de milhares de pessoas. Pessoas que tinham o poder. É o que chamamos de DEMOCRACIA. É o que chamamos de SISTEMA.


Orquídeas, poesia, violão.



Daqui desse momento
Do meu olhar pra fora
O mundo é só miragem
A sombra do futuro
A sobra do passado
Assombram a paisagem.


Quem vai virar o jogo
E transformar a perda
Em nossa recompensa
Quando eu olhar pro lado
Eu quero estar cercado
Só de quem me interessa.


Às vezes é um instante
A tarde faz silêncio
O vento sopra a meu favor
Às vezes eu pressinto e é como uma saudade
De um tempo que ainda não passou
Me traz o seu sossego
Atrasa o meu relógio
Acalma a minha pressa
Me dá sua palavra
Sussurra em meu ouvido
Só o que me interessa.

Lenine

Nada em você

Acho engraçado ver você se enganando. Acho engraçado ver você fingindo ser o que não é. É curioso observar você e te ver tão só no meio de tantas pessoas, pelas quais você finge um falso-afeto. Gosto de rir quando me falam sobre sua incapacidade de ser você, essa foi a forma menos dramática que consegui pra ver teus castelos sendo arruinados por você. Lembro de bons dias que passávamos juntos. Éramos nós cartas de um só baralho. Mais que a família real, éramos o Espadilha e o Zap. Gostava de ver você sorrindo como quem nunca sorriu antes.
Acho engraçado que agora teu sorriso se resume em uma só fonte, e essa não parte de você. Gostava muito de sentir saudade sua e principalmente, destruir essa saudade, quando saíamos para nos divertir embaixo de luzes amarelas, sem dinheiro ou destino. Apenas nos divertíamos como que éramos.
Tua boca está seca. Secou tuas palavras e tuas idéias, desde o dia em que você se propôs a deixar que pensassem por você. Pouco a pouco, se perdendo no emaranhado que você criou. Qual sua cor hoje? Qual seu sabor? Você consegue me responder alguma coisa que saia somente da sua cabeça?
Não há tempo que mude. Não há atitude que reverta. Não tem pé e não tem cabeça! Não tem ninguém que mereça. Tua incredulidade em pequenas coisas. Tua cegueira ideológica. Teu não-saber sobre você mesmo não me excita a te ver. Não me propõe nada novo. Não me chama e nem me atrai.
Poderia até mistificar que foi um roubo, um seqüestro. Mas sei que seria mentira. Você viu a porta aberta e saiu, sem me mandar cartas. E eu jamais fecharia a porta para você, como têm feito agora né. As portas estavam sempre abertas para entradas e saídas de pessoas, contudo, estaríamos sempre do lado de dentro.
Hoje então, quero que saiba, que estou me desaliando a você. Apague nossos desenhos da parede, se eles ainda estiverem lá. Esqueça a minha voz e se possível, afogue-se no que você criou para você. Não há mais nada em você, nada novo. Nada seu. Nada que tenha nascido de você. Não há água em você, nem luz, nem fogo, nem vento, nem sabor, nem música, nem sentimento, que sejam oriundos de seu íntimo. Dobre a esquina e siga o que tem te guiado, Cabeça Tele-Guiada. Drogue-se na busca de descobrir o que te afasta de ti. Durma na esperança de saber o que você realmente é. E quando você acordar e ver que o Sol deitou e se levantou mais do que você se lembra, não me procure. O que era nosso você matou.
Pegue o vento e o tranque em um copo. O que você tem?

Olha as coisas como são

A chuva que molha o asfalto e o desgasta aos poucos. A torneira que continua pingando depois que você a fecha. A eletricidade que ainda corre nos fios depois que eles são desplugados da tomada. O vento que não tem origem e nem fim. O fogo que tem origem e fim.Olha como o negativo e o positivo virão reais com um íma. A vida que acaba quando começa (e ela começa todo dia). Três e Sete. Vinte e sete. Julho e Jotas. As flores, o verão que invade o inverno. O calor que te faz suar. O suor que te refresca. Os palhaços. Os nós do cadarço. O tempo batendo no relógio. O "só" andando de mão dadas com alguém. O cair e o levantar. Os filmes que travam. As músicas que param. A Sua e o Seu. Senhoras e senhores. A mentira e a razão. A emoção e a verdade. Olhe como a fechadura reflete o que tem no quarto. Olhe os espelhos. Olhe para alguma coisa.

Pegue esses olhos fundos e aprenda a enxergar.

Refletor 18992-0

Mr. Joe - Oi, tudo bem?
Ms. Blue - Tudo certo e com você? Há quanto tempo...
Mr. Joe - Tudo bem, na medida do possível. Realmente faz um tempo que não nos falamos. Me conte as novidades, como está sua vida?
Ms. Blue - Estou noiva. Me casarei em breve. Estou já preparando o vestido, o sapato e a decoração uma amiga minha vai fazer. A casa vai ficar pronta em poucos meses e em novembro do ano que vem começaremos a planejar nosso lindo bebê. E você?
Mr. Joe - Nossa... Bem, agora que você me falou isso, estou num êxtase negativo. Não sei como me sinto. Mas estou terminando meus estudos e em breve serei um professor de inglês bem sucedido. Quem é ele?
Ms. Blue - Ah, ele é um cara maravilhoso. Faz tudo pra mim, me trata super bem, é bonito e tem uma ótima estabilidade financeira...
Mr. Joe - Que bom. Fico feliz por você. Esses dias eu estava revirando uns papéis no meu guarda-roupa e encontrei um guardanapo seu.
Ms. Blue - Um guardanapo?
Mr. Joe - Sim. Você me deu naquele dia em que dividimos um cachorro quente. Lembra?
Ms. Blue - Me desculpe Mr. Joe, mas eu não me recordo disso.
Mr. Joe - Ah claro...  
Ms. Blue - O que houve?
Mr. Joe - Nada.
Ms. Blue - Na realidade. Me lembro. Lembro daquele dia como se fosse ontem ou hoje mesmo. Lembro do seu tênis colorido, da sua camiseta e do seu blue jeans. Seus olhos flamejavam naquele dia. Eu te disse que o mundo seria nosso né. Coisa da idade...
Mr. Joe - Deve ser. O que mais você se lembra?
Ms. Blue - Lembro do que escrevi no guardanapo e lembro de ter dado um beijo nele.
Mr. Joe - O cheiro do batom impregnou o papel.
Ms. Blue - Acredito.
Mr. Joe - E o que vai fazer depois do casamento?
Ms. Blue - Me dedicar ao homem da minha vida, ser fiel e uma ótima dona de casa. O que vai fazer depois da faculdade? O que vai fazer para o resto da sua vida?
Mr. Joe - Vou fazer o que estava escrito no seu guardanapo.
Ms. Blue - Quem me dera fazer o mesmo...
So, the call is end.
She changed everything, when she called back.
Mr. Joe - O que houve com a ligação?
Ms. Blue - Caiu. Eu acho.
Mr. Joe - Vamos então começar de novo. “Oi, tudo bem?”
Ms. Blue - Tudo certo, e com você? Há quanto tempo...
Mr. Joe - Estou bem, na medida do possível. Realmente tem um tempo que não nos vemos. Desde o começo do ano né...
Ms. Blue - Verdade. A ultima vez que nos vimos foi no dia 31. Eu me lembro.
Mr. Joe - Eu também. Estava chovendo.
Ms. Blue - Verdade. Um frio de lascar. Mas você é gordo e não sente tanto frio.
Mr. Joe - Isso não foi engraçado.
Ms. Blue - Não mesmo. Foi realista.
Mr. Joe - Mula.
Ms. Blue - Isso foi baixo.
Mr. Joe - Tanto quanto você.
Ms. Blue - Será que podemos conversar sem discutir?
Mr. Joe - Sim, sim.
Ms. Blue - Qual a importância de fazer o que está no guardanapo?
Mr. Joe - Toda. Hoje pra mim faz sentido. Pra você não?
Ms. Blue - Faz. Só não tenho mais forças.
Mr. Joe - Como assim?
Ms. Blue - Nada. Eu disse que um dia faria sentido.
Mr. Joe - Eu sei. E eu acreditei nisso. Engraçado que hoje realmente faz. E eu gosto disso.
Ms. Blue - Acredito. Como está sua família? O que ela acha sobre isso?
Mr. Joe - Minha família está bem em relação a isso...
Ms. Blue - Não me refiro à sua família achar sobre isso. Me refiro a ela. She’s so fine.
Mr. Joe - Não tão fine assim, pra falar a verdade. Anyway, ela não sei. Não estamos mais juntos.
Ms. Blue - Sério? Pensei que se casariam. Isso tem anos de amor.
Mr. Joe - Todos dizem isso. Mas acho que tempo não tem muito a ver com amor. Veja você, não nos vemos desde o começo do ano e você vai se casar. É pouco tempo pra isso.
Ms. Blue - Também acho. Vendo por esse ponto de vista.
Mr. Joe - O que aconteceu nesse tempo que não nos vimos?
Ms. Blue - Ah... Muita coisa. Eu saí de onde eu estava, morei com um desconhecido por um tempo, organizei uma mini Woodstock HAHA... Tenho vivido. No começo não foi fácil, mas as coisas melhoram. E você?
Mr. Joe - Pra falar a verdade eu me iludi por um bom tempo. Imaginando que amava uma garota que não amava, imaginando crer num Deus que eu não cria, querendo uma carreira que eu não queria. Você estava certa.
Ms. Blue - Quando?
Mr. Joe - Quando disse que eu não era mais eu. Verdade. Agora eu só quero ser eu.
Ms. Blue - Que bom. Fico feliz por você.
Mr. Joe - E você, é você ainda?
Ms. Blue - Acho que sim. Talvez não sou o eu que você conheceu ou que esteve acostumado a ver. Mas ainda sou eu.
Mr. Joe - E as músicas?
Ms. Blue - Ah, agora levo a música a sério. Escrevo para um blog sobre música e um jornal já quer comprar meus textos. Quero viver disso. Falar do que ouço, do que sinto. Acho muito bom.
Mr. Joe - Eu vi algumas coisas no seu blog.
Ms. Blue - Tipo?
Mr. Joe - Um texto que falava de Anna Flor...
Ms. Blue - Anna Rosa.
Mr. Joe - Isso. Essa moça. Você amadureceu.
Ms. Blue - É o processo. Verdade. Às vezes leio meu livro e fico vendo o quanto eu evolui na escrita, nas palavras. Acho que o melhor texto foi o Cassandra.
Mr. Joe - Não me refiro ao teor do texto, mas aos destinatários.
Ms. Blue - Talvez. Os meus textos ultimamente não tem destinatários.
Mr. Joe - Como ele é?
Ms. Blue - Exatamente como eu.
Mr. Joe - Deve ser legal.
Ms. Blue - É legal, mas as vezes por sermos assim tão iguais fica meio fácil de se prever o que vai acontecer.
Mr. Joe - Entendo.
Ms. Blue - Me fale sobre ela.
Mr. Joe - Ela? O que quer saber?
Ms. Blue - O que houve? Você a deixou?
Mr. Joe - Mais ou menos. Por um tempo eu me deixei por ela. Engraçado que você sempre esteve certa, eu sou muito novo. Eu que nunca tinha entendido. Mas foi assim: eu queria ser eu mesmo, mas estava preso a ela, que de uma forma ou outra me forçava a ser quem eu era, e não quem eu sou agora. Então expliquei a ela e ela me entendeu. Ela agora é professora de inglês.
Ms. Blue - Sério?
Mr. Joe - Sim, agora ela trabalha na Passado – Tradicionalismo em cursos.
Ms. Blue - Que bom. Já trabalhei lá.
Mr. Joe - Eu sei.
Ms. Blue - Sabe?
Mr. Joe - Eu lhe vi algumas vezes saindo de lá. A última vez que lhe vi lá, você estava com a camisa do The Doors.
Ms. Blue - Não lembro.
Mr. Joe - Anda ouvindo Doors?
Ms. Blue - Tenho um caso com Jim Morrison.
Mr. Joe - Ah claro, e Jimi Hendrix?
Ms. Blue - Eu o amo, incondicionalmente. Ele parece ser o único que me entende. Às vezes acho que ele escreveu Little wing pensando em mim.
Mr. Joe - Eu também. Você realmente é.
Ms. Blue - Como assim?
Mr. Joe - Uma vez você me falou que eu era. Mas observando bem, é como se eu até fosse, mas não era tão livre quanto deveria ser. Eu tinha as idéias boas, mas as atitudes erradas. O que me fazia ser nada. Você pelo contrario, tinha boas idéias e boas atitudes. Nunca parou em frente à um obstáculo.
Ms. Blue - Eu sempre paro em frente a obstáculos.
Mr. Joe - Mas você parar de frente à eles não te faz recuar. É lindo isso, sabia.
Ms. Blue - Que saudade.
Mr. Joe - De que?
Ms. Blue - De ouvir elogios.
Mr. Joe - Até parece que você não ouve.
Ms. Blue - Long story.
Mr. Joe - Você e suas longas histórias.
Ms. Blue - Eu sei. Eu gosto assim.
Mr. Joe - Você é besta hein...
Ms. Blue - Besta não. Acharam um nome melhor pra isso: VOLUNTARIOSA.
Mr. Joe - É vero.
Ms. Blue - Talvez seja.
Mr. Joe - Como foi a saída?
Ms. Blue - Foi bem simples e rápida. Sucinta e eficaz.
Mr. Joe - Você tem certeza disso?

Ms. Blue - Do que?
Mr. Joe - De sair?
Ms. Blue - Sim e não. Sim porque foi a melhor decisão a ser tomada no instante em que as coisas ferveram. E não porque não há como desfazer isso.
Mr. Joe - E isso é ruim?
Ms. Blue - Não muito. As coisas estão melhores como estão.
Mr. Joe - Estou lendo seu blog.
Ms. Blue - Merda.
Mr. Joe - O que?
Ms. Blue - Quantas vezes eu já te disse pra que se estiver lendo que não me falasse. Eu fico extremamente constrangida.
Mr. Joe - Você é muito fresca.
Ms. Blue - Não sou. Você deveria entender.
Mr. Joe - Talvez eu entenda, mas não quero dizer isso.
Ms. Blue - Você já disse, deveria ter dito isso antes.
Mr. Joe - Gosto de te ver assim.
Ms. Blue - Assim como?
Mr. Joe - Nervosa.
Ms. Blue - Ai ai.
Mr. Joe - Qual a cor do seu cabelo?
Ms. Blue - Agora, um vermelho meio preto meio roxo.
Mr. Joe - O que aconteceu com o vermelho?
Ms. Blue - Acabou a tinta.
Mr. Joe - Sério?
Ms. Blue - Não.
Mr. Joe - O que aconteceu?
Ms. Blue - Não me sentia mais bem com o vermelho.
Mr. Joe - Você me disse uma vez que as mulheres mudavam o cabelo quando alguém lhes partiam o coração. Ou alguma coisa parecida.
Ms. Blue - Verdade.
Mr. Joe - Alguém te partiu o coração?
Ms. Blue - Coisa parecida.
Mr. Joe - Por que você não conversa comigo sobre relacionamentos de uma forma direta?
Ms. Blue - Não sei. Não gosto, não me sinto segura.
Mr. Joe - Como assim?
Ms. Blue - Assim oras.
Mr. Joe - Pelo o que houve?
Ms. Blue - Em suma.
Mr. Joe - Me perdoe.
Ms. Blue - Claro.
Mr. Joe - Vai me falar agora?
Ms. Blue - Não.
Mr. Joe - Uai, então por que me perdoou?
Ms. Blue - Não gosto de guardar mágoas.
Mr. Joe - Mas por que não me fala?
Ms. Blue - Porque... fim.
Mr. Joe - ...?
Ms. Blue - Oras, fim.
Mr. Joe - Sim, mas fim?
Ms. Blue - Queria colocar um fim.
Mr. Joe - E colocou. E agora?
Ms. Blue - Agora vem o pós-fim.
Mr. Joe - De?
Ms. Blue - De nossa conversa.
Mr. Joe - Então eu continuo ou desligo?
Ms. Blue - O que acha melhor?
Mr. Joe - Continuar, tem tanto tempo que não nos falamos.
Ms. Blue - Então tá. E sua guitarra... como ela é?
Mr. Joe - Vermelha. Aliás, não um vermelho como de lápis de cor, um vermelho quase vinho.
Ms. Blue - Deve ser bonita.
Mr. Joe - É sim.
Ms. Blue - Tem tocado?
Mr. Joe - Um pouco.
Ms. Blue - Por que?
Mr. Joe - Tempo.
Ms. Blue - E você agora se preocupa com tempo?
Mr. Joe - Mais ou menos.
Ms. Blue - Você mudou.
Mr. Joe - Talvez sim, talvez não. Talvez quem tenha mudado foi você, por isso me ver diferente.
Ms. Blue - Você não mudou. Apenas amadureceu.
Mr. Joe - Também digo o mesmo de você.
Ms. Blue - Obrigada.
Mr. Joe - Não por isso.
Ms. Blue - À propósito, onde encontrou meu telefone?
Mr. Joe - Um beija-flor me disse.
Ms. Blue - Que brega.
Mr. Joe - O que?
Ms. Blue - Beija-flor...
Mr. Joe - Que nada.
Ms. Blue - Bobo.


To be continued.