Samba

Se eu mostro as pernas e danço na noite, os burburinhos correm pelas paredes do salão. Aí eu mostro que não são apenas duas pernas quentes que sabem embalar a música e digo o que penso, e com esparadrapos e panos tentam silenciar. Se eu canto Caetano e Gil, traí o rock'n'roll. Se eu canto blues, sou infeliz. Se não canto, estou me sentindo superior.
Se eu frequento, estou forçando a barra. Se eu me afasto, estou doída por bobagem. Se me dou à qualquer cara, não presto. Se me guardo para um só, sou tola. Se encaro todos e dou resposta, sou ríspida. Aí se me arrependo e peço perdão, e sou falsa.
E se aquele cara que comeu todas também quer me comer, sou a puta. E se aquele cara que traiu todas quer voltar, palmas e colos. Quando sou preta, sou fingida. Quando branca, sou jogada aos cães. E se sou multicolor, eles são vermelhos e sou tratada como do contra.
Se eu saio para a boemia esquecendo quem eu realmente sou, sou vagal e sem futuro. Se trabalho, estudo e me reservo em casa, estou perdida e dando valor à futilidades.
Se hoje eu não gosto de maçã e amanhã eu como uma, não sei o que quero da vida. Se quero sair do ciclo vicioso de ver defeitos nos outros e aprender com os meus, eu já não sou como antes.
Falam de meu sorriso e olhos na frente de minha cara. Falam de meu pêlos e apelos nas mesas de bar. Falam da minha arte e dom quando me leem. Contam meus medos e dores durante o almoço para quem quiser escutar.

"Racistas, parternalistas, acionistas! Prefiro os nossos sambistas..."