azul


 Eu hoje não tenho palavras para escrever. Eu ouço músicas de todos os tipo, olho fixamente para esta imagem e tento criar mil personagens para disfarçar o que sinto, mas hoje não. Hoje o que meu coração tem pedido é um pouco de sinceridade para me deixar mais leve. Um pouco de verdade, alguns minutos sem a máscara que resolvi pintar para mim.
 Eu hoje não tenho muitas cartas na manga e meus amigos reclamam do meu silêncio. Entretanto, na mesa do bar, entre a garrafas de cerveja e alguns remédios, eu passo desapercebido e minha cor real ninguém ver.
 Eles, quando me veem, sempre sorriem e me dão abraços. Fazem piadas com minhas tristezas e esperam uma reação de mim, que fico rindo com lágrimas nos olhos. E quando me sento e em silêncio me reservo, os olhos deles riem de minha tristeza sentida. Minhas mãos trêmulas já não escrevem nem afagam seus cabelos e não há mais colo para que eu durma. O azul me bate tão violentamente! Me arremessa à altura de seu pescoço e arrasta meu corpo no deserto.
 Eu, pinto de vermelho unhas, olhos, cabelos para disfarçar o meu blue, meu blues. Veem-me como aquele que passará por todas as coisas ileso, sem nenhum arranhão.
 Mas quando estamos eu e o espelho de frente, e vejo dentro de meus olhos os seus olhos. Vejo em meus lábios a marca do seu batom. E só de lembrar de teu cheiro o meu ar se desfaz. Eu tento deitar e deixar que isso se desfaça, e nos sete minutos que antecedem meu sonho, eu me vejo azul. Eu me olho no espelho e não entendo por cada pequena coisa que eu toco dá errado.


"And I say, now hon', tell me why,
Why does every single little tiny thing I hold on goes wrong ?
Yeah it all goes wrong, yeah.
And I say, now babe, tell me why,
Why does every thing, every thing.
Hey, here you gone today, I wanted to love you,
Honey, I just wanted to hold you, I said, for so long,
Yeah! Alright! Hey"



Preto


Ricardo Caldeira - flickr.com/samba_raul

Eu costumava esperar os ponteiros acertarem-se para que eu acertasse o tempo de minha vida. Eu costumava acordar cedo, fazer meu café, olhar pela janela para ver como estava o tempo, banho, trabalho. Eu costumava beber com os amigos no fim de semana. Esperava o semáforo abrir e fechar, me indicar hora de seguir e parar, ou prestar atenção. Era minha rotina sagrada, meu trabalho sagrado, o horário sagrado para fazer tudo, sem atrasos ou canetas espalhadas pelo quarto.

Acostumei-me em aliar o chapéu e às vezes flexionar as sobrancelhas. Tudo sempre igual para que eu não perdesse o ritmo, para que eu não perdesse o tempo, para que eu não perdesse o meu dinheiro, para que eu não perdesse meu apartamento, para que não perdesse a guarda de meus cães... O tempo, o tempo! Eu esperava sempre pelos ponteiros, pelo relógio digital de minha mesa de trabalho, pelos ponteiros....

Até que no dia que tirei férias do trabalho, percebi que o tempo se esticava, demorava pra passar. Andando pela cidade com meus cães eu vi ela andando de bicicleta. Shorts jeans recém cortados, sem sutiã ou chinelo, e com uma camiseta fina de algodão cor-de-goiaba. Os cabelos acobreados e seu cinto preto... Em total leveza e poder fez meu ser elevar-se e cair de vez no chão. Ao mesmo tempo que sentia que minha mente não sentia efeitos da gravidade, sentia meus pés pesados, sem conseguir me mover para nenhum lugar. O tempo parara naqueles breves momentos e com uma sensação de flutuar e cair eu acabei perdendo a hora da leitura.

Desde esse dia, tenho procurado em todos os lugares os meus ponteiros, meus relógios, meus horários... Os de ponteiro pararam, os digitais marcam sempre a mesma hora, os de corda pulam no playground... Eu não sei quando comer, não sei quando beber, não sei quando trabalhar ou quando ir ao banheiro. Minhas férias foi deitar no sofá esperando o tempo passar. Mas não passa!

Ela quebrou o tempo. Ela quebrou o tempo. Ela quebrou o tempo.

"Working from seven to eleven every night,
It really makes life a drag, I don't think that's right.
I've really, really been the best of fools, I did what I could.
'Cause I love you, baby, How I love you, darling, How I love you, baby,
How I love you, girl, little girl.
But baby, Since I've Been Loving You. I'm about to lose my worried mind, oh, yeah."

Vermelho

Ricardo Caldeira - flickr.com/samba_raul
  Hoje tirei nosso amor de caixas e de saco bolhas. Tirei tudo para olhar novamente. Retratos com caretas, eu deitada no seu colo no sofá laranja, eu guiando seu corpo no meu vazio. Tirei lembranças da vida que não conseguimos ter e esperanças de viver algo bom no futuro.
  Vi no fundo da caixa nossos rabiscos de quartas à noite. Lembrei que passávamos a noite toda desenhando, musicando tristeza e fazendo alegres poemas. Tirei filmes que nunca terminamos de assistir. Lembrei de dormirmos na sala inúmeras vezes no colchão. Lembro de você me olhar no banho e de sempre apagar a luz.
  O lençol de cetim vermelho, meu batom vermelho, tua camiseta vermelha, teu tênis vermelho... Em alguns momentos fizemos até deus duvidou que vermelho era uma cor pura. Parecia que só existia quando uníamos a tua cor na minha. 
  Entretanto, não demora muito para eu achar nossos traumas. De vermelho você secou seus olhos de lágrimas e saiu com seu violão. De vermelho você deu as costas e foi embora passar um tempo. De vermelho você compôs as que me mandam embora... Bem, o vermelho começou então à sair da casa. Nem a cachaça ou o rock poderiam evitar isso. Bebíamos muito e nem sequer cambaleávamos. Riamos muito sem alegria nenhuma sentir. Já não era igual. Já não era leve.
  As músicas no rádio eram as mesmas e eu quase decoro o tempo de cada uma para entender quando você voltaria. Você volta com perfume da noite e olhos alcoólicos tentando encontrar em mim casa. As suas costas estão mais cansadas que antes e já não me apetece mais dormir ao teu lado. O cetim desbotou, teu tênis desbotou, meu batom acabou, o sofá laranja ficou amarelo e deus agora já não olha mais para nós.
  O fim tinha chegado com cheiro de calmaria, com maré baixa. Veio sutilmente sussurrar no meu ouvido as verdades que eu preferia achar que eram mentiras.
  Mentiras... Acho que era o combustível de nosso amor. Eu mentindo os horários diversos que eu chegava, você mentindo outras bocas. Eu mentindo força e descaso. Você mentindo interesse.
  Dessa vez tudo estava de cabeça pra baixo e eu já não te mandaria embora. Dessa vez eu que ia. E eu fui. Eu fui embora e você nenhum dedo de misericórdia levantou para fazer-me ficar. Nenhum esforço para que eu não fosse. Nenhuma esperança de que daria certo. Apenas me deixou ir, como quem nunca se importa com o que perde.
  E hoje, olhando essas caixas tão bem empilhadas, com plástico bolha, ensacadas à vácuo e bem cuidadas, só tenho um pensamento: Fogo!

"Sos la razon de los volcanes trepidar
Y hasta en el encuentro de tus calles hay azar
No más, quizas, encuentres fuerza en la soledad
Aunque haya un diablo que te prive de tu libertad"