primeiro, ela invade.
invade sem pé na porta, mas entra em mim pelos poros da minha pele. meu corpo começa, lentamente, a adormecer em toda a sua leveza. ela muda minhas cores e torna tudo tão claro e tão transparente.
não há mundo do lado de fora da janela, quando ela me acompanha num cigarro. mais que um beijo, um abraço e um colo. como caranguejo que se esconde na toca, eu me acomodo em suas pernas para lembrar dos sonhos que ainda não tive.
e mergulho. sinto a água morna e salgada encher meus pulmões, assim, educadamente. correr não é uma alternativa a ser marcada. minhas pernas são como areia molhada e se desfazem quando o vento bate.
eu estive perdida dentro de mim mesma. inúmeros corredores não me levaram a lugar nenhum. eu vi sexo, bebidas, drogas, crianças. contudo, em maior parte de mim mesma eu não vi nada, como quando se olha para um galpão antigo cheio de bugigangas e ainda assim não se vê nada.
dentro de mim, tem muitas pessoas,, qalgumas delas são minhas, outras me possuem, outras eu já tive e não consigo me desfazer. dentro de mim tem muitas lágrimas e muitas risadas e muita lama.
eu vi meus talentos guardados em caixas de madeira e vi meus medos pendurados em paredes. eu vi a mentira e a verdade, mas ainda não sei quem me tocou pela última vez.
as coisas parecem tão simples de fora, mas entre as inúmeras paredes que carrego em mim i mundo já não é o mesmo. um pouco de alucinações e uma criatividade lúdica. inumeras personalidades penduradas em cabides em um armário que daria a volta no meu dedo. espelhos para todos os lados e gritos guardados em potes, como se fossem fetos conservados em formol.
e eu achei minha voz. várias páginas empoeiradas e já amarelas, muito lixo e móveis sobrepostos eu pude ver ouvir minha voz. ainda que fraca, trêmula e cansada, ela pulsava.
quem nunca sentiu-se acordar imerso em água de forma que o peito tenha tamanha pressão que o ar parece romper as paredes do pulmão? dói. e ficar horas na cama depois que o despertador do celular toca umas quatro ou cinco vezes, na esperança de que uma hora não seja necessário abrir os olhos depois de dormir. torcer e chegar a deixar o ateísmo de lado para pedir que uma doença fatal caia sobre suas pálpebras, para que as amorteça até que se colem na eternidade da morte. aumentar o uso de seus vícios corriqueiros no desejo de que esses te façam esquecer da falta de ar, como era no início. respirar tão lentamente que seja possível ouvir músicas entre uma inspiração e outra.