quereres

Eu quero estar em você,
Onde ninguém mais esteve, onde ninguém estará.
Quero ir no inabitável do teu ser
E fumar um dou dois cigarros com o desconhecido que habita em ti.

Ir, sem tempo de viagem ou hora pra voltar.
Sem previsão de retorno, ir e ficar.
Ficar, encontrando peças novas teu quebra-cabeça.
Ficar ouvindo tuas velhas histórias e teus novos vinis.

Quero ser, como se fosse de tua casa,
Como se tivesse nascido de ti,
Ainda que com gosto de novidade,
Ainda que com cheiro do novo.

Quero ter-te todas as vezes que abrir mão de ti.
Quero estar, todas as vezes que o meu trem chegar.

No fim do dia, antes da noite, lembrar de teu corpo laranja deitado em mim.
Na noite, no fim da tarde, lembrar de tuas mãos me desenhando no escuro.
De manhã, no raiar de um novo Sol azul, chorar por todas as suas mentiras.

Shh

Ela estava com olhos contornados do tom mais escuro do marrom e, esse contorno, salientava o formato amendoado de seus olhos. Grandes, pulsantes. As veias ramificavam o vermelho para o branco de seus olhos, parecia que iam explodir ao mesmo tempo que arborizavam suavemente o olhar. As pupilas, dilatadas e grandes... Enormes, como nunca vi. As sobrancelhas trepidavam enquanto ela flexionava a testa olhando para o Sol.
Olhos castanhos que ganham uma nova tonalidade com o Sol do fim de tarde. Ela coloca seus óculos marrons, como sempre foi, e me olha, daquele jeito como quem grita os pensamentos. É constrangedor olhar seu rosto sem expressão e sentir que ele nos fala tanto. "Chega queima, chega entorpece, chega endoida", como Chico diria.
A grama tão dourada, tão vivida... Tão diferente de sua face mórbida. Nos dedos, anéis pesados e nos braços o seu relógio, que há muito não usava. Na boca um novo vermelho... Nem ameixa e nem vinho. Como não podia deixar de ser, uma jaqueta blue lhe cobre os ombros. Vestido branco e pés descalços. Tão engraçado como a tristeza combina com ela. Tão engraçado como ela fica linda com lágrimas nos olhos.
Mesmo que sentada de frente para o Sol, a sua luz e calor não parecia tocá-la nem por um segundo. Todas as palavras que me disse foram claras e sucintas.

"Todas as mentiras contadas, todas as verdades escondidas me afastam gradativamente de você. A confiança quebrada, o amor desperdiçado e a paixão fingida não têm perdão, não têm volta. Hoje eu vou embora, e acredito que você pode sentir isso pela forma que olho pra você. Foram tapas, socos, sangue demais que foram tirados de mim, para que eu pudesse te dar um pouco do meu ser, um pouco do meu melhor. No entanto, foi fácil rir de mim na mesa de bar com carne entre os dentes e álcool na garganta. Agora vou-me. Volto eu para meu buraco, de onde nenhum caranguejo deveria se dar o luxo de sair."

Ela disse adeus.
Era só um botão, um gordo botão vermelho.
Caule liso, verde, forte sem ranhuras.
Mas veio o vento, veio a chuva, veio a seca.
E a seca não foi embora, e chuva fez casa, e o vento não parou.
Era só um botão, mas já virara rosa.
Bela rosa com gordas pétalas vermelhas.
Gordas. Vermelhas. Múltiplas.
O tempo estava aberto, correndo.
Veio a chuva, a chuva e um incendio.
A rosa foi se enrijecendo.
O caule coberto de espinhos e poucas pétalas sobraram.
Tão fragilizada, tão machucada.
Já não pode aguentar.
Só resistir.