1.
Com o tempo, sua risada mudou e seu cabelo também. Não muda os seus olhos grandes e redondos, nem sua língua afiada. No entanto, em plurais maneiras ela permanece a mesma alma mole por trás de uma forte carapaça, à procura do peito que a console, do buraco que a abrigue, do sonho seja tão forte e intenso para que ela acorde.
Atrás dela, os erros e acertos foram guardados de forma segura para lembrá-la de como seguir. Quebrando o seu corpo, ela aprendeu a lutar. Quebrando o seu coração, ela aprendeu a escrever. Quebrando sua coragem, ela aprendeu a correr. Quebrando seu ego, ela aprendeu a crescer.
A capacidade que ela tem de acordar e colocar uma nova camiseta, calçar novos sapatos e viver um novo dia é propocionalmente grande a sua vontade de morrer instaneamente ao adormecer toda noite. Para equilibrar o jogo, fica na cama ainda um pouco mais torcendo para que crie um cancer, para que sua respiração acelere até parar, alguma coisa que lhe impeça de pegar o ônibus, trabalhar em cima de seus sonhos, correr pelo mundo sem dar uma ligação.
Enjaulou-se devagar dentro de sua própria cabeça. Músicas, cartas, cheiros que não quer esquecer e não tem ânimo para abraçá-los. Pendurou na sua casa todas as suas vitórias e medos para lembrar que uma coisa só vem com a outra.
Finge vícios que não quer ter. Finge dores que não quer sentir. Perto disso, os problemas da humanidade, o preconceito, a pobreza e a diferença social ganham proporções tão pífias que tornam-se bilocas para serem jogadas numa rua qualquer sem asfalto.
Escreve para não ter que gritar e grita para não ter que explicar. O grito choca e faz com que se preocupe o que fazer depois do grito e não com o que ele realmente quis dizer. Então grita com as paredes, joga pragas nos que atropelam seu caminho, xinga os que não podem ouvir, mas sussurra suas angústia dentro de sua boca em forma de músicas.
Persegue no seu destalento de fazer as coisas firmemente. Destroi em dias, em palavras e em simples olhares o que custou vidas e corações para ser construido.
Prefere o não-perdão à opção de esquecer por completo tudo o que foi feito. Já ouvi falar que ela tem essa mania de transformar tudo o que toca em bosta e de aprisionar dentro de si grande parte de todos os que ela resolve se aproximar.
Criou e alimentou o medo de chuva para servir de desculpa para que saia e se molhe na rua. Criou o medo de ir pra rua para se manter seca todos os dias, pingando suor no próprio travesseiro, amargando o gosto de sangue na boca.
Amá-la é algo lindo, puro, eterno e também assinar o próprio atestado de óbito. "Morto por falta de amor".
Elle, R.
Nosso amor sempre foi um blues, daqueles que se cantam sentados batendo as solas dos pés no chão e de olhos fechados. Quantas poesias criamos nós durante nossa infância, quantas dores nós acumulamos em nossa adolescência e quanto medo sustentamos na nossa velhice? Éramos nós tão livres, tão leves, tão grandes e tão fortes, mas todos os nossos tesouros escorreram entre os dedos de nossas mãos no momento em que elas já não se entrelaçavam.
E o asfalto nunca foi tão limpo e nem a chuva lembra o nosso nome. As estrelas já não brilham, meu amor, não mais. Fizemos tanta força para que nosso pequeno e inocente querer se desfizesse sempre que a vida nos provava por a+b que nossos caminhos não deveriam brincar juntos.
Mas quando abraço você, assim quando ninguém pode me ver ou ouvir, nos poucos segundos eu tenho a sensação que voltei para o meu lar, para continuar aquela conversa que nunca terminamos. É estranho, que temos a maldição de morrer quando nos aproximamos.
Um dia a mais e meus olhos choram hidrantes de tristeza. Um ano a menos, e meu corpo se esmorece e estremece quando penso no éramos, no que fomos. E finjo que não percebo que as pessoas falam de você e finjo não sentir saudade quando faço piadas das suas antigas confusões.
Eu só queria te contar tantas coisas, tantos mundos de palavras que existem em mim. Eu só queria te contar, qualquer bobagem que dê o tempo certo para que você diga que não tem explicação.
Mas nosso amor sempre foi um blues, meu amor. E como ela dizia em voz de choro, quando uma mulher encontra o blues, ela pega o trem e vai embora, quando um homem conhece o blues, ele cai sentado e chora.
Me dá um medo.
Que medo.
be strong
já fizeram você achar que o único lugar seguro é inside your head?
você já tentou tocar sua alma e viu que ela virou areia?
quando você grita só seus ouvidos te escutam
e chorar silenciosamente quando todos da casa estão dormindo se torna um ritual
já acordou a sete palmos da superfície da vida que você construiu pra você?
seus filhos morreram dentro do seu útero antes mesmo de serem feitos
você sente raiva descontroladamente, mas a única pessoa que tem coragem de ferir é a si mesmo
no one can get it.
dentro de si há uma caça por um remédio ou qualquer coisa que faça parar. ou que pare, ou que te exploda no final
invade sem pé na porta, mas entra em mim pelos poros da minha pele. meu corpo começa, lentamente, a adormecer em toda a sua leveza. ela muda minhas cores e torna tudo tão claro e tão transparente.
não há mundo do lado de fora da janela, quando ela me acompanha num cigarro. mais que um beijo, um abraço e um colo. como caranguejo que se esconde na toca, eu me acomodo em suas pernas para lembrar dos sonhos que ainda não tive.
e mergulho. sinto a água morna e salgada encher meus pulmões, assim, educadamente. correr não é uma alternativa a ser marcada. minhas pernas são como areia molhada e se desfazem quando o vento bate.
dentro de mim, tem muitas pessoas,, qalgumas delas são minhas, outras me possuem, outras eu já tive e não consigo me desfazer. dentro de mim tem muitas lágrimas e muitas risadas e muita lama.
eu vi meus talentos guardados em caixas de madeira e vi meus medos pendurados em paredes. eu vi a mentira e a verdade, mas ainda não sei quem me tocou pela última vez.
as coisas parecem tão simples de fora, mas entre as inúmeras paredes que carrego em mim i mundo já não é o mesmo. um pouco de alucinações e uma criatividade lúdica. inumeras personalidades penduradas em cabides em um armário que daria a volta no meu dedo. espelhos para todos os lados e gritos guardados em potes, como se fossem fetos conservados em formol.
e eu achei minha voz. várias páginas empoeiradas e já amarelas, muito lixo e móveis sobrepostos eu pude ver ouvir minha voz. ainda que fraca, trêmula e cansada, ela pulsava.
Todos estavam sentados na sala conversando amenidades e vestidos de cáqui e branco. Eles sorriam mostrando os dentes e bebiam doses cavalares de conhaque, café e whisky. Contavam as mesmas piadas, simulavam as mesmas brigas, flertavam com as mesmas meninas, traiam as mesmas garotas, comiam os mesmos caras, choravam as mesmas tristezas, ouviam e cantavam as mesmas músicas.
Um relógio na parede indicava a mesma hora de três anos atrás. A poeira já havia se deitado com todos os móveis e teias de aranha substituíam as cortinas de linho branco que haviam nas poucas janelas. O chão de madeira rangia e sussurrava histórias e lendas antigas, em que crianças comiam os sonhos de adultos e de mulheres que pulavam dos braços do marido para uma vida mais quente.
Inquestionáveis, eles se mantinham batendo e debatendo nos outros, enquanto seus traseiros se afundavam no couro de suas poltronas. Os novos, assim como na bíblia, acostumavam-se em comer das migalhas que caiam da mesa. Os velhos mastigavam de boca cheia de deixavam de comer ao ver uma carne nova chegar.
Falavam deles mesmos aos gritos e berros. Choramingavam nos ouvidos dos outros os defeitos alheiros e riam de tudo. Riam dos cabelos, dentes, pernas, pintos e bocetas espalhados pela sala. Em tom de deboche, convidavam os demais e expulsavam os outros.
Mas tudo silenciou no momento em que o relógio começou a tiquetaquear, no ritmo de valsa. Eles se entreolharam e continuaram a falar, tentando conversar num tom tão alto que abafasse o barulho mortal dos ponteiros andando em círculos. Batiam os copos na mesa, esfregavam os pés no chão por baixo da mesa, riam desesperadamente.
Os olhos de todos, arregalados e raivosos, estavam voltados para o relógio, que começara então a contar os minutos para o final daquela farsa. Desesperados começaram a revirar todo o local em busca de si mesmos, em busca do poderia ter acionado o tempo que determinou o seu fim.
Sacudiram suas roupas e perceberam que estavam magros e esqueléticos, pois o que comiam só enchia o ego e suas carnes estavam quase mortas. Sacaram que esqueceram de suas almas em algum lugar. Reviraram suas cadeiras e mesas, encontrando pedaços de felicidade, verdade e paz pelo chão, itens que um dia foram deles e com o passar da mesmisse, se desprenderam deles e caíram no chão como casca de árvore velha. Aborto de idéias estavam em todos os cantos.
Reviraram os bares e encontraram em cada garrafa vazia o desespero de conhecer a vida. Tentaram correr das batidas e os seus pés estavam amarrados com bolas de ferro banhadas em mentiras. Tentaram pedir socorro, mas suas bocas se acostumaram no maldizer diário e começaram a discutir. Por medo, choravam.
Quando um deles levanta um corpo nos braços, já frio e quase azul. Um vestido de linho fino cobria seu corpo, tornou-se vinho pelo sangue que escorria de sua barriga e pernas. De uma poça de sangue, levantaram um corpo nos braços. Um corpo magro e pesado. Olhos pintados de preto e lábios pálidos.
Pequeno pedaço de carne e osso, que segurava em sua mão esquerda a corda que disparara o maldito relógio. Eles estavam raivosos e com olhar faminto. Para resolver o problema da magreza, comeriam o corpo ali mesmo, pela fome e pela vingança alcançada.
ela desafina ao cantar enquanto lava a louça do almoço, em pose de flamingo. quando fica assim, posso ver por entre suas pernas, pela luz que sai da janela e ilumina o chão da cozinha. a minha tristeza é amada pelos meus amores e eles não conseguem se desvincilhar dela, daqueles olhinhos redondos que no sol tem cores diferentes.
festeira, ela me acompanha em todos os lugares. ela está comigo quando entro no ônibus e todos estão de terno e aparece sempre que eu vejo aquele sorriso.
a minha tristeza é uma coisa linda de se ver e seus amores são verdadeiros contos regados de por-do-sol, saudade e camas grandes.
a minha tristeza é mais dele que minha.
é dele.
paleta
Todos os dias, Eunice mantinha uma rotina desorganizada. A única certeza era de que algo extraordinário iria acontecer, e isso podia ser ela dançando embaixo dos pingos de chuva ou quando ela entrava no trem cantando em tons altos. Era de espantar as moças requintadas das famílias nobres da cidade.
Seus cabelos tinham uma textura que só os deuses poderiam descrever com perfeição, assim como o desenho que contornava sua cintura fina, quase de cumbuca. Um sotaque e uma dificuldade em pronunciar palavras grandes. Ela expressava-se mais com trechos de poetas - que demorara anos para compreender, decorar e aplica-los em diálogos. Parecia confundir os sábios da sociedade.
Todo o mundo girava da dobrinha do braço de Eunice, que tinha a alma livre em um corpo acorrentado ao alto mastro dos bons padrões. Levada, ela dançava enquanto andava. Seus quadris pareciam saber o nome de todos os homens casados da região. Tranquila e pintada em aquarela, Eunice sorria para dá bom dia e dizia seu nome com bochechas rosadas.
A morena era como quando se pinta fora do traço. A diferença causava curiosidade e ela era como flor que abre uma pétala de cada vez no calor. Olhos de pôr-do-sol sem nenhuma culpa ou pesar.
Várias primaveras foram se passando. Vários verões morreram. Algo mudou na vida daquela jovem. Sem explicação, sua vida começou a apagar sua felicidade. Eunice guardou na pele todos as marcas desses finais. Já não aparecia com seus vestidos e nem dançava sua música. No meio da multidão atrasada não era mais possível encontra-la com facilidade. Olha o relógio, pede um café em copinhos de plástico e corre.
Nem azul: índigo era a cor de sua boca quando dava 'olá' para o padeiro de manhã. As curvas agora estavam desenhadas à régua e borracha. Acordar, sentar-se na cama, ajeitar os cabelos e mentalizar coisas boas para ter coragem para enfrentar o mundo. Isso era a sua nova rotina. Todos os dias nos bares, segurando terço e rezando para conseguir levantar-se no final da garrafa e chegar em casa.
Agora, quando andava na rua, a decadência lhe era nítida. Como cão cansado de correr atrás dos carros, ela seguia com seu corpo encharcado de água ácida. Os olhos negros escorriam nas bochechas e o corpo violado já não era violão. Antes o vento, agora a água tinha uma briga ferrenha com suas saias e as colava nas coxas claras de Eunice.
Já não sabia muito como falar, nem o álcool deixou que seus poetas falassem por ela. O silêncio amargo com cheiro de hálito matinal era a sua característica. A observação deu lugar a interação e o mundo a consumiu. Passar os dias punindo-se para agradar os que sempre, e sempre, a condenaram como uma mulher má.
Os amigos a acham genial e apreciam como a tristeza lhe cai bem. É um quadro tão lindo de se vê. Na rua, com seus vestidos pretos, ela deitava no chão, chutava as caixas e todos aplaudiam. Um palhaço no palco não seria melhor intérprete de tanta desgraça.
Mas em casa, após tirar as máscaras, deixava seu corpo cair sobre a cama e sempre se esquecia como se cobria. Custava umas duas horas para dormir e sempre, sempre, pedia antes de cair no sono, um abraço.
Eu não poderia deixá-la de amar nem por um segundo. Eu não conseguiria vivar sem minha pequena.
Deixei sinais espalhados pela nossa casa para não esquecer que um dia a tive nos braços de forma única que fez meu coração pulsar um novo sangue.
Os baldes transbordam. Minha mente se enche de água quando meu coração lembra daqueles pequenos pés imundos no nosso lençól, na nossa cama. O mundo pareceu tão injusto com a vida, que ela descontou em nosso amor para se vingar de tamanha injustiça.
Eu olho ela dedilhar no violão com suas mãosinhas tão pequenas e magras. Ela nem sabe que a olho, nem mesmo deve lembrar meu nme ou o que nós vivemos. Hoje está entre outras pernas e seu coração em outras mãos.
Eu, hoje, procuro a música certa para fazer as palavras saírem, enquanto minhas lágrimas nem pestanejam antes de cair. Basta lembra do nosso pequeno precioso estranho amor que todas gotas dançam em minhas bochechas magras.
Eu lembro de comprar pão, do sofá, dos apertos. Lembro das cartas que trocamos e que não (NÃO!) consigo me desfazer. Esse pequeno peixinho, esse meu inferno astral está presente em todos os meus seres e nâo há veneno que mate essa dádiva.
MAD
em terceira pessoa
Seu corpo tem a suavidade das pedrinhas de rio, mas as firmeza dos Andes. Quente, ela incendeia lençóis e corações deixando marcas.
Fica bem de vermelho e branco. Acorda com cara de sol até nos dias de chuva. Tem o dom da escrita e as crianças a vê como uma princesa.
Lábios quase finos, deixa no beijo a vontade insaciada, uma sede quase insolúvel: vicia.
Peito rosado e médio, cintura fina e coxas que viram poesia na cama, viram cartas. Parece teimosa, parece calma. Ama com decência e fode com a força de cachoeiras. Jorra o nome dele. Uma erupção em água, nos lençóis.
Ela é do tipo que deita e vira foto. Que sorrir e vira quadro. Que chora e vira crônicas.
Ela está em todos os lugares. Sonhos, espelhos, delicadas mensagens espalhadas em um corpo moreno. Ela dá vontade de comer.
Ela é a terceira pessoa de nós dois. Ela é meu medo. Ela é sua esperança.