Deixe

  
Leve daqui, Cigano, seus olhares debochados. Leve sua indecisão e seus pés livres. Leve seu desamor e sua frieza. Leve os elogios para outros e seus espinhos para mim. Leve aqui seus beijos alucinados e suas letras corridas. Leve aqui a tinta que corria em teu corpo e teus olhos também. Leve teu sorriso, você nunca o usou e agora que não vai usar. Leve seus segredos então, leve seu violão. Leve o quadro em pedaços, leve as jóias da coroa, leve seus passos, leve o que for seu. Mas, não esqueça, por favor, de deixar sua despretensão e seu descaso. Quando sair, apague a luz.
  Leve daqui, Palhaço, seus falsos elogios. Leve sua arma de controle e seus sorrisos manipuladores. Leve seus olhares mentirosos e seu ardor fingido. Leve sua dúvida, leve sua trupe e seu circo para outro lugar. Leve sua boca manchada e seus olhos pintados para frente do espelho, mas não se ponha diante de mim.  Leve suas mentiras e suas promessas amarradas para que não me lembre delas. Mas, não esqueça, por favor, de deixar tua coragem e tua intrepidez. Quando sair, não me toque.
  Leve daqui, Padre, todo seu medo. Leve suas crenças e sua negatividade para longe de mim. Leve sua cabeça-dura e sua teimosia numa fé absurda e sem cabeça. Leve seu medo de confessar, sua vontade de se calar. Leve já daqui essa sua sensatez e teu equilibrio. Mas, não esqueça, por favor, de deixar tua poesia e perspicácia. Quando sair, não me beije.

deusa

 
Cintura fina e quadris largos. A sua boca é perfeita pra mim: lábios superiores levemente mais salientes que os inferiores, avermelhados. Os olhos amendoados de noites e noites ébrias são delineados fortemente pela cor que parece ter sido feita para ela, o preto.
 Ela é daquelas moças que acordam tarde por que passam a noite toda entre rocks e drops. É aquela que fala com a mesma propriedade de sexo e carros, de casa e de comida, de rock e de samba. Vermelho é o batom e este acompanha o tom de cabelo. As mãos rápidas me guiam para a boca do abismo antes que eu possa entender que estou andando. Ela me provoca saudade da minha adolescência.
 Sabe-se que sempre, mesmo em tempos de boemia e pilantragem, eu sou uma pessoa centrada, calculista. Não por uma força interna, por um querer sem razão, mas sou assim por que os céus de meu nascimento disse que seria e o mundo fez peças e ensaios pra que isso permaneça assim. Entretanto, em sua presença, o chão se dilui em lama e no lamaçal ela me faz querer dançar. Desnorteia a minha mente, brinca com minha alma, seca minha boca quando me olha com seus olhos e a enche d'água quando bebe cerveja.
 Ela me dá medo pela falta de medo dela. Parece tão inabalável, revida pedras maiores que ela mesma, dança na presença de seus inimigos. Enquanto os cães latem na sua face ela sorrir sarcasticamente. Ela me assusta. Me faz tremer dos pés às sobrancelhas. É do tipo daquelas doidas quentes que vemos em filmes e nos apaixonamos pelos poucos segundos de cena. Ela come meu interior. Faz do meu juízo um tapete onde ela deita, ama, bebe sua cachaça. Usa minha boca como cinzeiro e de curiosidade faz meus olhos virarem.
 Quando rabisca guardanapos usa como tinta saliva e lágrimas. Tira a máscara e limpa o rosto. A tristeza combina tanto com sua idade. Quando fuma usando as pontas dos dedos e dos lábios, lembra-me pinturas que fazia no quarto quando mais novo. O cigarro combina tanto com sua tristeza. Quando me olha, me estremesse alma e as pernas. Eu perco as quadras, as entradas, as saídas. Suspeito que ela tenha saído dos livros do Carrol, ou Bazzo, ou do Miller. Pode ela realmente existir?

Sete


  E se eu deslizar meus dedos em teu pescoço e sem tirar meus olhos dos teus eu levar sua alma pra passear... Ou se eu arranhar levemente tuas coxas e beijar teu peito tirando teu ar? Você imploraria pela morte? Choraria chamando sua mãe como uma menininha esquecida na escola? Ou deixaria meu primeiro e mais perfeito pecado tomar conta de você?
  E se eu te chamar pra perto e deixar que você pague por tudo o que já fez? Gastar todo seu dinheiro em uma só noite com drogas e rocks? Se eu jogasse seu celular pela janela e trocasse sua carteira por um cigarro com qualquer mendigo, você se importaria? Gritaria comigo para que eu mantivesse você grades que seu medo de liberdade lhe impôs? Ou deixaria meu segundo e mais perfeito pecado tomar conta de você?
  Ou quando eu molhasse meus dedos de mel e enchesse teu corpo com álcool, ou te desse o que comer todas as noites, ou se deixasse empanturrado do banquete que te serviria de noite, de dia, onde quer que os olhos não vissem-nos... Você se afastaria de mim? Colocaria entre nós uma distância de quilômetros pra fugir disso? Ou deixaria meu terceiro e mais perfeito pecado tomar conta de você?
  Se eu pegasse suas mãos, amarrasse as no trem, e de vagão em vagão lhe provocasse à raiva, a cólera... Se de medo e ódio eu fizesse você gritar, enquanto no colo de suas amigas eu me servir ou da boca delas eu beber a água que não me sacia... Você me deixaria para trás? Rasgaria meus retratos e cartas e roupas? Ou tomaria conta do meu quarto e mais delicado pecado?
  Ou se de todas do bloco eu fosse a mais bela e meus olhos, lábios, pernas e cintura fossem só teus... Se não olhasse para nenhum outro e para nenhum outro oferecesse minha atenção.... Teu coração se encheria de orgulho até que a soberba pudesse ter lugar ou deixaria para trás o meu quinto e mais cruel pecado?
  E quando o dia estivesse laranjado, se eu me deixasse com você na rede pra ver a chuva cair e lá ficássemos até o Sol secar a água do mundo enquanto tua boca não deixa a minha sede chegar... Você teria paciência? Ficaria parado quanto tempo enquanto deito ao teu lado? Quantos dias passaríamos na horizontal? Ou você se desesperaria vendo tudo isso com olhos entediados de quem nunca tem o que quer?
  Mas se eu fosse embora por um tempo, usasse outras fantasias nesses carnavais, com outros pierrots me enamorassem, e por eles verdadeiramente me apaixonassem, os acalentassem em meu seio e os beijassem a boca, depois de você de medo ter fugido, de temor ter corrido e de covardia se borrado... Deixaria tão somente a inveja tomar conta de ti? Você se renderia ao pecado mais sórdido e sem valor, mais triste e sem parceiro?
  Teria fé pra tudo isso?