Fico ouvindo os baldes de água se enchendo enquanto ela dedilha os dedinhos pequenos no violão. A felicidade nunca foi tão presente em nosso pequeno lar e a vida parece andar lentamente. As janelas de vidro convidam o grande Sol para nossa cozinha e eu vejo o rosto dela agora um pouco mais amarelado.
Eu não poderia deixá-la de amar nem por um segundo. Eu não conseguiria vivar sem minha pequena.
Deixei sinais espalhados pela nossa casa para não esquecer que um dia a tive nos braços de forma única que fez meu coração pulsar um novo sangue.
Os baldes transbordam. Minha mente se enche de água quando meu coração lembra daqueles pequenos pés imundos no nosso lençól, na nossa cama. O mundo pareceu tão injusto com a vida, que ela descontou em nosso amor para se vingar de tamanha injustiça.
Eu olho ela dedilhar no violão com suas mãosinhas tão pequenas e magras. Ela nem sabe que a olho, nem mesmo deve lembrar meu nme ou o que nós vivemos. Hoje está entre outras pernas e seu coração em outras mãos.
Eu, hoje, procuro a música certa para fazer as palavras saírem, enquanto minhas lágrimas nem pestanejam antes de cair. Basta lembra do nosso pequeno precioso estranho amor que todas gotas dançam em minhas bochechas magras.
Eu lembro de comprar pão, do sofá, dos apertos. Lembro das cartas que trocamos e que não (NÃO!) consigo me desfazer. Esse pequeno peixinho, esse meu inferno astral está presente em todos os meus seres e nâo há veneno que mate essa dádiva.
Minha vida desandou no dia que resolvi parar de falar dela. Aquela lenga-lenga de sentar no bar, acender o cigarro e danar a falar daquela mulher quase me endoidece. Mas no dia que parei de falar dela, amigo, o mundo parou de rodar. Nem crescia flores, nem chovia, nem sol fazia. O dia só iniciava por que o maldito relógio cutucava a bunda do Sol pra ele levantar, pois até ele sentiu falta dela.
Meu cigarro parecia não queimar e não foi por tentativa. Passava no Pão de Açúcar e compra a caixinha inteira. Durava dois ou três dias. Eu acendia, mas a porra não queimava. E por falar em porra, ela também sumiu, no dia que jurei não falar nela.
Eu parecia cego. Todo dia eu ia pegar ônibus, com o cigarro no dedo - na boca -, mas não via nada. A rua sempre tava vazia e o ônibus também. O cobrador nem dava bom dia e o motorista não apanhava ninguém. Fiz a barba e cortei os cabelos. Meu rosto parecia lixa e minha boca era como o chão do sertão. Saía do trabalho, com a cara de anteontem, passava no bar e nada me embrigava. Sentei várias vezes no meio para conversar com os pedintes que passavam, mas nem os invisíveis queriam papo com esse desgraçado.
E eu endoideci. Fiquei várias vezes conversei falando comigo mesmo enquanto fritava meus ovos. Jogava a farinha na panela e permanecia num diálogo de doido. Devo ter envelhecido cinquenta anos nesses dias que deixei de falar com ela. Mas que diabo aquela mulher tinha pra me deixar assim?!
Pra dormir, eu tinha que tomar umas pílulas e uns drops. Eu só queria montar naquela cinturinha mais uma vez e falar sacanagem no pé do ouvido e, se ela deixasse, chamá-la de safada. Aí eu resolvia não falar sobre a morena, ficar na minha e não voltar pra rotina de escrever sobre ela. Quando dava por mim, o despertador gritava igual minha mãe fazia pra eu ir pra escola. Só faltava falar: "'Bora estudar, menino. Você tem que ser alguém na vida pra sua mulher não ficar esquentando a barriga no fogão pelo resto da vida. Vambora!". Mas o danado nem se dava ao trabalho e só cantava aquela musiquinha que tem no filme do Stalone.
Cacete! Eu já tinha que trabalhar mais um dia e era dia de preto. O Sol já cutucava minha bunda e eu tinha que levantar.
Jurei várias vezes que ouvi ela falando comigo e por muitas vezes me vi de pau duro no trabalho pensando no dia que a peguei no capô do carro. Ah... Que veneno tinha aquela moleca. Quando eu via, o povo me olhava com cara de 'virgem-maria' e eu tinha que procurar outra coisa pra fazer. Apesar de sacar que era só escrever num papelzinho que eu queria ficar com ela ou falar do seu corpinho eu me negava e carregava mais um caminhão pra matar os pensamentos do mal.
É rapaz... A vida desandou quando me neguei aos caprichos dessa garota, mas ela não descanso. Eu cheguei no ponto de suar e até tentei com outras minas aqui da rua, mas sabe como é: era aquele cheirinho de banho tomado com Palmovile que me fazia feliz. Boceta e Palmovile.
Aí não deu em outra. Já tava pra subir as paredes quando não resisti e escrevi sobre ela. Cravei num pedacinho de sacola que usei pra levar minha marmita o que sentia na hora. Escrevi pouca coisa, por que a cabeça já tava cheia demais e mal conseguia unir as ideias. "Sinto saudade do teu umbigo molhado com meu suor e de tua poesia cruel. Vou te levar pra dançar comigo no meu cafofo até raiar dia".
Aí, meu mundo voltou a rodar normal, mas como esperado, ela largou dos meus pensamentos. Mulher ingrata! Só me deixa assim pelo prazer de me deixar doido e mostrar que sem ela, a vida desanda. Desanda mesmo.