Todos estavam sentados na sala conversando amenidades e vestidos de cáqui e branco. Eles sorriam mostrando os dentes e bebiam doses cavalares de conhaque, café e whisky. Contavam as mesmas piadas, simulavam as mesmas brigas, flertavam com as mesmas meninas, traiam as mesmas garotas, comiam os mesmos caras, choravam as mesmas tristezas, ouviam e cantavam as mesmas músicas.

Um relógio na parede indicava a mesma hora de três anos atrás. A poeira já havia se deitado com todos os móveis e teias de aranha substituíam as cortinas de linho branco que haviam nas poucas janelas. O chão de madeira rangia e sussurrava histórias e lendas antigas, em que crianças comiam os sonhos de adultos e de mulheres que pulavam dos braços do marido para uma vida mais quente.

Inquestionáveis, eles se mantinham batendo e debatendo nos outros, enquanto seus traseiros se afundavam no couro de suas poltronas. Os novos, assim como na bíblia, acostumavam-se em comer das migalhas que caiam da mesa. Os velhos mastigavam de boca cheia de deixavam de comer ao ver uma carne nova chegar.

Falavam deles mesmos aos gritos e berros. Choramingavam nos ouvidos dos outros os defeitos alheiros e riam de tudo. Riam dos cabelos, dentes, pernas, pintos e bocetas espalhados pela sala. Em tom de deboche, convidavam os demais e expulsavam os outros.

Mas tudo silenciou no momento em que o relógio começou a tiquetaquear, no ritmo de valsa. Eles se entreolharam e continuaram a falar, tentando conversar num tom tão alto que abafasse o barulho mortal dos ponteiros andando em círculos. Batiam os copos na mesa, esfregavam os pés no chão por baixo da mesa, riam desesperadamente.

Os olhos de todos, arregalados e raivosos, estavam voltados para o relógio, que começara então a contar os minutos para o final daquela farsa. Desesperados começaram a revirar todo o local em busca de si mesmos, em busca do poderia ter acionado o tempo que determinou o seu fim.

Sacudiram suas roupas e perceberam que estavam magros e esqueléticos, pois o que comiam só enchia o ego  e suas carnes estavam quase mortas. Sacaram que esqueceram de suas almas em algum lugar. Reviraram suas cadeiras e mesas, encontrando pedaços de felicidade, verdade e paz pelo chão, itens que um dia foram deles e com o passar da mesmisse, se desprenderam deles e caíram no chão como casca de árvore velha. Aborto de idéias estavam em todos os cantos.

Reviraram os bares e encontraram em cada garrafa vazia o desespero de conhecer a vida. Tentaram correr das batidas e os seus pés estavam amarrados com bolas de ferro banhadas em mentiras. Tentaram pedir socorro, mas suas bocas se acostumaram no maldizer diário e começaram a discutir. Por medo, choravam.

Quando um deles levanta um corpo nos braços, já frio e quase azul. Um vestido de linho fino cobria seu corpo, tornou-se vinho pelo sangue que escorria de sua barriga e pernas. De uma poça de sangue, levantaram um corpo nos braços. Um corpo magro e pesado. Olhos pintados de preto e lábios pálidos.

Pequeno pedaço de carne e osso, que segurava em sua mão esquerda a corda que disparara o maldito relógio. Eles estavam raivosos e com olhar faminto. Para resolver o problema da magreza, comeriam o corpo ali mesmo, pela fome e pela vingança alcançada.

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