MAD



Ruby e Cassandra.
O último encontro.

Estava tudo branco. Um relógio na parede indicava que o tempo tinha passado de forma confusa. Os TIC TAC’s estavam mudos e assim estavam para não acordar quem há muito dormia lá. Havia uma janela aberta. Uma cortina leve de musselina branca voava dando forma ao vento. Na mesinha do canto, uma vela acesa e um relicário vermelho e amarelo. Perto da cabeceira da cama, alguns livros, alguns cadernos, alguns vinis e um cavalo marrom feito de plástico e ferro, de uns 18 cm de altura. Havia flores por todos os lados. Não tinha sequer um pedacinho de chão vazio de flores, a não ser o caminho que levava da cama para a saída. A porta era branca e tinha uma fechadura com nomes em japonês. Ao lado da porta, um vidro foi colocado para que quem quisesse olhar para fora, visse então o que o que havia lá fora. E para que quem quisesse olhar para dentro, visse o que estava lá dentro. Dentro ou fora, havia uma porção de perguntas.
O quarto já estava com um cheiro forte das flores que lá estavam, misturado com o cheiro de vela que cobria o relicário de parafina. E na cama, coberta por lençóis verdes de algodão, estava Pilar. Ela tinha lindos cabelos cacheados, que misturavam o vermelho e o preto. Seus lábios sempre eram pintados de vermelhos e nos seus olhos tinha o seu número favorito. Na sua mão, anéis com lindas pedras não-preciosas. No seu colo um colar sem algum pingente, mas mesmo assim, combinava muito bem com ela. Naquele dia, foi marcado por ela o último encontro de quem nunca tinha se encontrado: Ruby e Cassandra.
Entra primeiro Ruby. Com ela, entra o cheiro forte do cigarro que ela fumava. Ruby não olha para Pilar que a observa religiosamente. Ruby apenas segue até a janela e observa religiosamente o que acontece lá fora. Ela tira a carteira de cigarros do bolso da jaqueta e coloca um na boca. Não o ascende. Só coloca na boca e o passa entre os dedos. Ruby parecia estar cansada e parecia não dormir bem por dias, mas estava muito decidida. Suas sobrancelhas estavam muito bem feitas e flexionavam sobre seus olhos, dando-lhe uma expressão de preocupação. Ela passava o cigarro por entre os dedos e olhava para fora com a boca entreaberta. Pilar estava realmente facinada por aquela cena. Era divina, por assim dizer. Ruby então encosta seu lado direito nos umbrais da janela. A luz deixou seu rosto finalmente aparecer por completo. Era linda por sinal. Seu cabelo vermelho parecia estar em chamas e ao mesmo tempo, lembrava um morango bem maduro, ou melhor, um campo de morangos maduros. Sua boca estava pálida e seu rosto quase sem nenhuma expressão. Estava ainda, um pouco mais magra desde a sua primeira visita. Mas continuou com seu blue jeans. Estava com uma bota sem cadarços e com uma fivela só. Era linda. Realmente exótica e esplendida. Mas estava muito triste, muito pensativa. Seu normal também não era uma pessoa efusiva e transparente. Mas aquele dia ela estava muito mal. Estava com um olhar distante e confuso. Até que mostrando-se surpresa ela olha pela a janela e seus lábios se desdobram em um sorriso bem discreto. Ela sussurou tão alto que pude ouvir:
- Aí está ele.
Então comecei a ouvir o motor de seu velho Impala marrom. Ela realmente amava aquele carro. Ela debruçou-se sobre a janela e se inclinou sem tirar as mãos dos bolsos para ver seu carro. Ela voltou para o quarto e se escondeu na sombra que a parede fazia. Ela sorria em silêncio com os olhos fechados. Mas ela estava com uma nova cor. Pilar a observava calada, mas acompanhava seu sorriso. O Relógio voltou a tictactar e em pouco tempo, entra ofegante no quarto Cassandra.
Cassandra estava com as bochechas rosadas e sua respiração estava acelerada. Parecia que tinha vindo correndo de quilômetros. Ela observou o quarto e perguntou como se fosse uma criança:
- Onde posso me sentar?
Ela estava tão apressada que não percebeu a presença de Ruby no mesmo lugar. Cassandra estava com seus cabelos no volume certo. Parecia um pouco embriagada, admito, mas ainda assim estava linda. Usava uma regata preta, com uma grande rosa verde na frente. Seus tênis estavam imundos. Ela trocou a calça jeans por uma bermuda que desfiava onde ela passou a tesoura. Suas mãos estavam com tintas de todas as cores, em especial as pontas dos dedos. Seu batom vermelho deu lugar à um cor-de-boca, mas apesar de estar com lápis-de-olho. Foi uma linda cena. Ela a viu. E ficaram se olhando por um bom tempo. Quando digo um bom tempo, me refiro há horas. Horas dentro de um quarto em silêncio. Só se ouvia o som dos aparelhos que fazia Pilar respirar. Pi. Pi. Pi. Pi. Pi. Pi. Pi. Pi. Cassandra se sentou ao lado do relicário. As velas não pareciam acabar nunca. Nunca! E Ruby estava próxima a janela, com seu cigarro apagado. Os olhares silenciosos pareciam uma conversa entre as duas. Era lindo e triste ao mesmo tempo. Pilar só as observava, e elas pareciam não vê-la.
Ruby então pronunciou baixinho em tom grave:
- Preciso ascender meu cigarro.
Foi tão grave que foi possível ouvir a rouquidão da sua voz da forma mais intensa possível. Aquele ruído varreu o lugar. Não era uma rouquidão como de Janis ou de Cássia. Era algo sensual e sutil. Cassandra então disse:
- Eu tenho uma vela.
Aquilo foi um convite, mas ainda não se sabe para o quê.
- Eu posso esperar pra fumar em outro lugar.
- Eu posso ascender pra você agora.
- Muito obrigada. Eu espero.
Novamente, o único que conversava lá era o silêncio. Isso durou por alguns segundos, até que Ruby tentou ascender o cigarro com o isqueiro que carregava. Inútil. O gás tinha secado.
- Eu sequei o isqueiro antes de você pega-lo,
- Eu ainda posso esperar.
- Fumar é bom.
- Deve ser.
- Gosto do gosto que ele deixa na boca.
- Deve gostar.
- Devo sim. É o que mais gosto.
 Então ela tirou de seu tênis um único cigarro que carregava. Um pouco amassado, ele tinha a piteira com um botão de liga-desliga impresso em “navy”. Colocando-o na vela, ascedeu o fogo.
- Fumar é realmente bom.
- ...
- Por que não vem ascender?
- Eu posso esperar.
- Joga o cigarro, eu ascendo pra você.
- Eu posso esperar.
- Por que você se nega ao meu fogo?
- Prefiro o isqueiro.
- Você deveria ascender logo. O isqueiro secou e provavelmente, dentro desse lugar você não vai achar outro. Ascenda.
- Não.
- Todos precisam de fogo, sabia?- Disse Cassandra da forma mais infantil que conseguia.
-Eu sei. Mas ainda assim, posso esperar por um isqueiro.
- Por que?
- O fogo tem dois lados senhorita.
- Ainda assim vale a pena ascender aqui. Cigarro é muito bom...
Então passou um senhor na porta do quarto, e Ruby disse:
-Hey you! Tem um isqueiro aí?
- Isqueiro... Tenho sim. – Disse o senhor com um ar meio desconfiado.
-Joga aí!
Ele jogou. Ela ascendeu. Ela jogou. Ele pegou. Ela agradeceu com um sorriso. Cassandra então se levantando para ir embora, bateu no relicário e acabou derrubando a vela, que queimou sua mão. Ruby a olha como quem dizia: “Esse é o outro lado do fogo”. Cassandra olhava para mão e sorria sem parar. Sem perceber, as flores do chão estavam em chamas. E o cheiro de rosas, narcisos e lírios queimados estava por todos os lugares. A fumaça era negra e cobria os olhos de qualquer um. O vidro segurava a fumaça la dentro. Ruby continuava a fumar seu cigarro com as mãos nos bolsos. Cassandra ainda sorria pela queimadura, enquanto seus olhos estavam molhados e vermelhos. Ruby deixa o quarto levando com ela parte daquela fumaça em suas roupas. Ela sai pela direita do corredor. Cassandra não sorria mais. As lágrimas enchiam suas bochechas coradas. Saindo do quarto, ela joga as chaves do Impala nos pés de Ruby e corre na direção contrária.
Pilar então se pergunta: “Por que ela chorou pela vela? Por que ela saiu correndo? Por que elas fumavam no hospital? Por que eu estou deitada aqui?”... Pilar fecha os olhos e os abre lentamente. Olha ao seu redor e ver que estava no seu quarto todo o tempo. Estava o tempo todo sonhando com tudo isso. Estava fantasiando todas as milhares de palavras sobre essas duas garotas. Estava ela o tempo todo olhando-se no espelho, vendo que era ela a Ruby. Era ela a Cassandra. Ela apenas ela. Era apenas Elas. Tudo em sua volta, foi uma mera ilusão.
E nessa história quem sou eu?