Para sempre




Acho que a mistificação do "para sempre" foi desfeita quando houve a primeira morte. Será que as crianças dessa época tiveram alguma coisa "para sempre"? Não sei, mas não queria ser uma delas. Nada alí dava base para que ela soubesse que tudo é para sempre. E eu por esse ponto de vista, até que gostaria de ser ela só pra gozar desse momento breve, findado pela primeira morte.

Imagine você, mas volte bem no seu registro histórico. Imagine como foi a primeira morte. A primeira morte que o homem presenciou (claro de outro ser humano)... Imagine. Estranho, não é? No momento talvez, veio alguma coisa relativa àquelas grandes produções cinematógraficas, ou até mesmo a forma do homem com duas folhas cobrindo suas partes. Pois bem, seja lá como foi a primeira morte, ela foi. Com toda a crença nascendo naquele momento.

A morte é a raiz de todas as crenças. Acho que foi o primeiro raciocínio que o homem teve em relação à outro. Mas enfim, as crianças tendem à acreditar muito no "para sempre" de fim de história. E como foi para a primeira criança ver o "para sempre" dela, a "vírgula" que ela via na vida, as "reticências" de uma vida que não era tão fácil assim, se tornasse um ponto final, ou talvez, no caso de achar um dente-de-sabre, um ponto de exclamação? Triste, chocante ou engraçado? Sim, por que não engraçado? Talvez aí tivesse sido a morte da crença do "para sempre" e o nascimento do humor negro.

Para que as crianças continuassem a acreditar no "para sempre", talvez pra esquecer de quando a mãe a deixar, talvez pra ela não chorar com a perda do gato que ela cuidava, foi criado um novo paragráfo escrito em branco por mãos tão manchadas. Deuses, fadas, bruxas, duendes, elfos... e toda a parafernália que a chamamos de crenças e mitos foi criadas ali, junto às cinzas de outras crenças mais inocentes e menos elaboradas. A morte e a origem de uma mesma coisa. Como um vai-e-volta de demasiados arcos de fogo e fumaça. Todos na cabeça de uma pequena criança, que vê agora criado em cima do ponto final, um outro ponto, dando nascimento dos dois pontos (:) dando explicação à tudo o que havia atrás.

Acho que também deve ser por isso que nossas crianças não estão com a mesma crença, com tanta parte lúdica, com tanta percepção de arte. Porque logo cedo, explicam que morte é só um soninho, ou só "foi lá pra cima". A morte então passa a ser não muito fantasiada. É só "foi lá pra cima". Uma desculpa fácil e não criativa. Falasse então que o caixão é uma cápsula. E deixar que a criança imagine isso. Só um pouco. Só por um dia. Falasse então que as cores das rozas¹ tem um significado especial. Só fantasiar algo que um dia, será muito dolorido para ela.

Então é isso. Um "para sempre" que acaba, abre caminho para uma ilusão muito conveniente chegar. E entre devaneios e desacertos, vou escrevendo aqui, coisas que jamais deveriam sair da minha cabeça.

¹: Sei que rosas se escreve com "S".

2 comentários:

  1. como diria um grande poeta chamado renato russo:

    "se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar que tudo era pra sempre, sem saber que O PRA SEMPRE SEMPRE ACABA?"

    mais tarde uma grande interprete chamada cássia Eller também acharia muito interessante e cantaria esses mesmos versos...

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