I

 


E nas tardes vazias no cubo de vidro, eu sonho com um dia  que meu lar seja livre como meu coração, como minha mente. Que não haja ninguém que possa apontar o dedo e dizer cifrões.
Sonho com uma plantação de estrelas que não tenha fim. No meu sonho, elas brilham, dançam e brincam nos agudos distorcidos de Zeppelin.
Em casa, entre o quarto e a garrafa de café, eu sonho com um sabor molhado... Doce-salgado, vivo, que seja único, que tenha tom de novidade. Que tenha especificidades que faria qualquer chefe enlouquecer.
No ônibus, vendo as luzes no vidro, ouvindo histórias alheias, observando rostos alheios, sonho com um vento azul-vermelho, que faz um tom de púrpura mais lindo do que o qual Deus criou para pintar o céu de Brasília com a ponta dos dedos.
E quando chego, e me aconchego em teu peito, e quando me lanço nos teus braços, eu sinto a liberdade tirar meus sapatos, beijar minha testa. E mesmo que eu pertença a eles, é como uma casa com portas abertas.
E me basta olhar teus olhos de menino bobo, tão inocente quanto vil, que as estrelas perdem o brilho, perdem a ousadia, agrupam-se sentadas na beira da cama para ouvir tua voz.
E o gosto... O gosto... O gosto da boca... Da língua... "Boquilíngua"... Dá ao sabor natural uma nova qualidade. É o que me acalma e o que me acorda. Basta um sugar de teus lábios pra me desarmar, me abrir...
E por fim, no fim da dança, você me convida ao teu quarto e eu levo meu vermelho para teu azul, e misturamos os 256 tons de cada cor procurando nossa sintonia, nossa distorção, nosso compasso... Isso faz Deus como um menino chorar de inveja sentado nos montes criando mares para nossos pés.