Acerto de Contas

 

Hey!


        Vem cá, filho duma puta! Veja o que tenho pra você. Eu tenho uma mão com dedos quebrados. São lindos dedos que poderiam carregar lindos anéis, mas resolvi quebrá-los enquanto você quebrava meu corpo, comia meu âmago e tirava minha infância a força, lembra disso. "Eles não vão saber", "É pra doer mesmo", "Fica quieta"... Lembra disso? Eu espero que lembre. Aqui estão minhas mãos quebradas, minhas cicatrizes. Aqui também está minha alegria, lembra quando foi embora? Lembra que com marcas por todo o corpo você sorria e tocava sua guitarra, olhava nos meus olhos e sorria. Lembra das marcas? Do roxo, do vermelho, dos tons de cinza que você tatuou em mim? São seus, leve-os, enfie-os no seu cu.
        Vem cá, desgraçado! Quero agradecer você por ter me seduzido com teus olhos amarelos, me comido até que tivesse sangue nos olhos, secado meu corpo até os ossos. Agradeço, desgraçado, por ter tomado minha adolescência, por ter me prendido, por me fazer ficar acordada, por ter usado e destruir meu corpo. Lembra disso? Eu espero que esse 38 refresque sua memória. Lembra: unhas quebradas, garganta estourada, mãos escorrendo no seu portão implorando o mínimo de atenção, 36 quilos... "Vem aqui agora", "Sai daqui"... E o glorioso: "O que você vai fazer agora?". Espero que se lembre das marcas nas minhas costas. É fácil inventar histórias, dizer que foi o tempo que causou exaustão, mas lembro de me desfalecer em suas mãos, implorar cuidado, implorar pra você me deixar ir embora. Meu corpo já não aguentava mais. E meu braço? A cicatriz eu tenho até hoje. Deixo aqui pra você minha confiança, meu amor-próprio. Espero que eles te espanquem até que seus dentes desçam por sua garganta, até sua cabeça ficar num estado de não conseguirem identificar teu rosto, só até seus olhos rolarem no asfalto.
        Agora você, vem cá. Não existe palavra pra te definir, nem sua mãe soube fazer. Ou melhor, nem quis fazer. Vem cá, quero que você lembre tudo o que fez. Lembra das noites que me deixou acordada? Eu espero que se lembre de todas as vagabundas que comeu enquanto estava comigo. Espero que lembre todas as vezes que menosprezou, denegriu, sujou... A-mal-di-ço-ou meu nome. Quero que se lembre da sua covardia. Quero que lembre de suas mãos no meu pescoço e quero que lembre da sua mão batendo na minha cara. Legal, divertido, todos os seus amigos já tinham saído. Quero que se lembre de mim no chão, depois que você me derrubou. "Eles fizeram isso por que você merece, é uma vagabunda, piranha..." Eu me lembro disso, e você? Parece que esqueceu. Parece que esqueceu que levou minha força, minha auto-estima... Eu quero que você lembre disso enquanto engole o cano dessa ponto40. Eu quero que sejam seus últimos pensamentos. E quero que chore, vou usar as mesmas palavras que você me deu enquanto minha boca se rasgava em cortes: "Olha minha dó por você..." Pegue o que levou de mim e engula. Não há arma que te pare. A vida vai se encarregar de você.

E agora? Já têm minhas cicatrizes penduradas no mural do orgulho, já tomaram a capacidade de acreditar. O que mais vocês querem? O que mais tem pra arrancar de mim?