Quatro contra uma

A música, a dança e o fim.
  Começava tristonha, como um blues embriagado. envolvente e quente, com solos sutis de uma guitarra elétrica e com a marcação muito bem feita da bateria. O baixo dançava lentamente com a guitarra. Então, aquela voz que acostumou-se a gritar tanto em meio seus desesperos e noites boêmias, agora tem um só tom. Fala como se estivesse de frente para o espelho em dias difíceis. O barulho que estava lá dentro se rendeu à essa voz que ainda não tinha uma origem certa. Parecia que estava vindo de dentro da sala, parecia que estava apenas usando a casa como um mero retorno. Indiferentemente disso, a música transtornou sua cabeça. Encheu seus olhos de sangue, a raiva de vidas passadas voltou a tona e como dois pólos positivos o que antes se atraia agora se repele mutuamente.
  Cercada de interrogações e de reprovações, teve que fazer uma escolha em deixar de ser o que sua vida pregressa lhe ensinou a viver. Deixar seu lado frio e agressivo, trancar dentro de si todos os leões e suas aranhas para deixar que seus pássaros pudessem voar. Soltar a coleira das panteras que guardava em si e vê-las correr no pátio como gatinhos indefesos. Colocar no chão, parte por parte de toda a sua armadura, todas! Com cada uma das marcas de suas inúmeras batalhas, despetrificar seu coração, encher-se de gozo e aceitar-se vulnerável. Ou, muito mais facilmente, manter em si todos os seus artifícios sem para uma vida que tem hora certa para acabar, para que não tenha o pretexto de não ter força pra peitar fulano ou ciclano. Pra bater de frente com o que puder e se morder de medo pelos seus quatro medos, que mesmo vencidos, ainda perturbavam seu mundo. Deixar as lembranças de lado e se entregar numa nova era. Deixar a segurança de reviver mil passados, sofrer as mesmas dores e se entregar na insegurança de viver o novo e desconhecido.
  A música agora está morna. E as lembranças dela estão passando no seu rosto. Ela se desespera, coloca a mão no rosto como se enxugasse águas de um rio dos olhos, cerra os olhos firmemente e tenta esquecer. Seus medos saem todos para tentar lhe ajudar. O coelho agora como seu verdadeiro espelho segura pela a mão e tenta mostrar que nada disso é verdade e que tudo pode ser sentido diferente se usar um pouco mais da razão. O que chorava agora rir sem mais, embriagado de lágrimas e rancor, rir sem parar. Uma baba espeça e esbraquiçada corre dos cantos de seus lábios, tamanho fervor da risada. O terceiro medo, levanta-se do sofá rapidamente e a abraça, tenta trazê-la para dentro de sua casa, com o cheiro de sua casa, com um rosto pintado de cilada, ele tenta fazer com que os outros medos. O desespero visto naqueles olhos cor de vinho sobresaí qualquer desespero de vietnamita em tempo de guerra. Ela se vê derreter dentro de si repetidamente, a prisão é sua mente, seu corpo já não é seguro, escrava de sua mente. Está pequeno e claustrofóbico. Impossível de se respirar. Ela olha e vê seu mais temido medo, sério e calado, frio e sem dor. Ele vira-se e vai embora lentamente, como quem pede para ficar. Ela tenta gritar, mais um de seus medos tampa-lhe a boca, sufoca seu pedido de socorro, enterra suas emoções. E nasce em suas costelas, uma marca a mais, mais uma parte de sua armadura se cria.

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