Mentiras pra você


 Foi por acreditar em seu mundo de cores que Camila acabou pagando pela sua fé. Foi por crer em palavras ditas em euforia. Por crer em olhos amarelos jurando eternidade. Por crer em lábios ternos um amor adolescente. Por crer em olhos puxados quando lhes prometeram as estrelas.
 Foi por acreditar nas palavras de um certo andarilho que ela abriu os olhos para a realidade. Suas pupilas dilataram, seu olhos doeram, sua cabeça sacudiu e o ar faltou quando viu todas as cores vesti-la de negro. Foi por acreditar que tudo o que tinha passado era num tom de amarelo-dia-de-sol que viu suas noites se tornar cinza-cor-de-coração-pesado. O seu mundo tinha sido apagado com o látex da covardia de um andarilho leviano. Um pouco de bebida, umas notas jogadas na rua, uns trocados no bolso, uns dias imersa na água... Tudo aos poucos foi levando seus pés para a beira de um precipício que ela nem viu subir. Foi por acreditar em encenações tão bem feitas, que começou a se encantar pelos palhaços que passaram pela sua vida. Achava engraçado como os palhaços pareciam querer salvá-la sempre, mas não sorriu quando os dois deram as costas para ela.
 Foi por acreditar que as coisas são como ela vê que seus olhos não vê nada além do seu teto cinza hoje. Sua proteção está mais grossa agora e parece virar uma castanha de tão dura a casca. Impenetrável, incorruptível, inconsolável. Os cabelos soltos cobrem o rosto amargo e o cigarro desfaça as palavras pesadas. E então foi dado o golpe final, a ultima cartada, o tiro na nuca. Com seus pássaros veio quem parecia ser esperado. Foi concebido enquanto o seu campo florescia, enquanto os campos estavam brancos de algodão. Foi gerado com fogo, com liberdade, sem medo. Foi escrito nas costas suadas com as unhas dos quatro dedos dela.  No balanço triste e profundo do blues, no sexo do rock, na levada do samba, nasceu o que ela não podia acreditar, não podia, não, não, não. Saiu de entre as feras, a peste mais forte, mais sensual, mais perspicaz, fazendo-se de todas as formas o mais parecido com ela, rodeando antes de devorar teu corpo, antes de correr suas entranhas com seu leite.
  Ela acreditou em promessas ciganas, em palavras secas. Viu seu corpo afundar e emergir centenas de vezes antes de perceber a realidade, e como uma dançarina ela veio, como quem não quem não quer nada, ajeitando o ombro no queixo, fazendo seus passos lentamente, até que a tirou pra dançar. Nessa sua dança, Camila girou, rodopiou... Até que caiu. Seu talento escorreu pelas mãos, sua voz se esvaiu, perdeu seu parceiro e o resto de coragem que tinha pra olhar no espelho. Agora um novo futuro será traçado.

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