bangbang





- Shiiiiii
- Que foi?
- É ela. A menina que falei.
- Quase mulher né.
- Shiiiiiii! Fale baixo.
- Certamente. Ela fez mesmo tudo o que você me disse?
- Sim. Come criancinhas, bate na mãe, ameaçou cortar a perna do pai e dá pra qualquer um. Prostituta e das piores, das que se vendem para comprar drogas. Deve ter todas as doenças do mundo. A AIDS nasceu dela. Tem cinco abortos nas costas e três filhos no orfanato...


  Oi. Meu nome é Anne. Às vezes Anne K, Anne Kawaii, Annie. Devo não prestar mesmo. Tem dias que acordo e digo pra mim mesma que não presto. Tem dias que olho no espelho e tenho vergonha do meu corpo, cabelo, nariz. As pessoas pregam muito ao meu respeito. Parece que carrego no peito um emblema que as autoriza falar, comentar e opinar sobre mim. Dificilmente desisto de minha opinião. Cabeça-dura é um termo que eu inventei. A sua religião, opinião, posição provavelmente não vão me influenciar em nada.
  Há quem diga que é carência de atenção. Há quem diga que é falta de caráter. Eu ainda não sei como chamar essa agressividade que tenho nos olhos e o veneno da língua. Não meço palavras para falar o que penso. Alguns saem feridos, outros criam o velho ódio no peito contra tudo o que penso, sou, falo, ouço.  Ainda assim eu saio deixando alguns casos de amor. As mães geralmente falam para os filhos: Se você ficar como aquela menina... Te mato!
  Eu não sou um bom exemplo e nem pretendo ser. Por muito tempo isso me foi cobrado e agora, dou maus exemplos gratuitos. Eu saio para beber, durmo na rua e estou sempre rodeada de meninos. Eu falo de putaria e uso rock'n'roll, falto o trabalho sem justificativa e coisas que não vou falar. Eu não me faço, não disfarço. De tudo não podem dizer que sou falsa. Eu não finjo e não forço amizade, não estou a procura de amor ou segurança. Sou egoísta e seletiva. A arrogância é um mau secundário, não é minha intensão. A minha reputação é maior que eu mesma. Não me preocupo nenhum pouco com meu cartaz. Prefiro até mostrar exatamente isso para os demais. Olhar todos irados, desgostosos e envergonhados com uma mera atuação é ligeiramente engraçado. Triste é quando me veem de verdade, olham através das máscaras e da embriaguez. Em 18 anos eu sou exatamente o que não queria que eu fosse e sou com louvor. Eu não abaixo a crina e não pretendo fazê-lo. Eu não sou o que você quer ver.
  Não tenho interesse em ser a mocinha da história ou a mais legal do grupo. Eu não quero muitos amigos. Eu quero os de verdade que sejam verdadeiros em todos os momentos, desde os de epifania aos de summertime, os que compreendem bem todas as fases lunares de um caranguejo tão escorpião. Não me interesso por pessoas que se prendem na minha imagem. Eu de fato não sou um bom exemplo disso. O pomo da discórdia, o prego que se destaca, a junkie. Falam de mim o que podem e o que não podem. Se eu fosse exatamente o que pregam, talvez nem vida me restaria. Eu não entendo por que falam. Ainda que fosse verdade, por que falar?
 Não me exija então, maturidade. As ocasiões sempre me forçaram à aceitá-la e para meu melhor, eu prefiro comê-la em pequenas porções. Não me exija que eu fale. Pra mim, cada pessoa é uma armadilha, até que me prove o contrário. Não me exija força. Se eu disse tudo isso é por que estou começando a tirar dos meus ombros o que já não consigo levar. Me deixe reagir à você e prepare-se. Não me exija fé. Eu não vejo esperança para mim.


Anne de Paula - Dois de julho de 2011

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