Todas as minhas cores viram nuvens

  

Ela vinha andando de branco no meio da praia vazia. A areia fofa parecia formar uma névoa nos seus pezinhos pequenos. Um corpo magro que flutuava entre a linha que separa mar de céu. Eu vou sempre lembrar dessa cena, como se estivesse pintada, emoldurada e pendurada no meu apartamento.
-Prometo não ler mais suas cartas nem mesmo ouvir tuas notas. Vou me calar e afastar de você tal como meus problemas fazem com você. Armados e ferozes esbravejam na tua porta quando um pensamento teu cai no pecado de me visitar.
  O bege e azul do fim de tarde pintavam lindamente seus olhos, desta vez nem escondidos atrás de grandes vidros ou pintados com carvão. Puros, tal como olhos de anjos. Cabelos circunvulados, vermelhos, flamejantes! Descia sobre suas bochechas salientes em câmera lenta, como se nos meus ouvidos estivesse tocando Nouvelle Vague.
Estou, portanto, indo pro porto pegar o mar. Vou ver nuvens tecer meu mapa na superfície mole dele. Escorregar dentro de sua imensidão e esquecer-te enquanto minha mente não faz questão de lembrar de você.
 Eu poderia morrer depois de ver isso, certo de que fora a primeira vez que a vi inteiramente. Nunca vi olhos castanhos tão sinceros quanto os dela. O ar frio e sutil daquele bendito fim de tarde exorcizou sua língua afiada, seus pensamentos lascivos, sua voz boêmia.
Aos poucos voz, cheiro e beijos serão apenas uma lembrança vaga em minha mente. Suas palavras não farão mais meu corpo se arrepiar e nossas calorosas conversas noturnas não produzirá em mim mais nenhuma gota.
 Sempre a viram - e verão - andando com pequenos passos entre gigantes, com olhos de um soldado romano, com a inclemência de um ditador, com a armadura velha e pesada, gritando contra os leões e empunhando sua espada. Podem ter até companheiros de guerra, mas jamais a verá dizer que cansou ou fraquejar durante a peleja.
Quando então curada estiver e de teus olhos melindrosos não mais lembrar, nem de teu cabelo bom para bagunçar, nem de tuas costas... Volto para fazermos carnaval fora do compasso. Volto para dançarmos com lua artificial. Volto para beijar-te pela primeira vez de novo.
  Aquela tarde de fato deveria ter virado música, ter virado filme, ter virado poema! Dentro de sua fragilidade, imersa em seus devaneios, cheia do seu mais puro vazio! Branco! A silhueta de suas pernas finas bordando o algodão branco. Seria uma bossa nova com voz suave. Seria blue valentine...
Mas por hora, não pense que meu coração é de ferro e que meu corpo é frio. Não pense que a força que pinto na cara é a que trago comigo. Não me veja com esses olhos que todos querem ver. Não acredite que os leões que solto são ferozes.
 Eu a vi. Ela me deixou vê-la em todas as suas cores.
Eu voltarei com voz limpa e sóbria. As cores estarão pintadas pelo Sol. A nova ordem é a calma.

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