A morte de Anna Rosa



Voz de uma TV


"Procura-se o culpado por atear fogo no roseiral da Cidade. No meio desse mesmo roseiral, havia uma menina, sem identificação, com aproximadamente 19 anos. Procura-se por ele. Ele usava calças jeans..."


Mudando de Canal


"Atenção senhoras e senhores. Hoje findou o verão que já durava 6 meses. Procurem fogo, pois o inverno que se iniciará hoje, nunca foi visto na Terra. A Segurança Nacional já começa adiantando-se distribuindo agasalho, porém, falta agasalho em todos os países..."


Mudando de Canal


"... a música mais pedida, por amantes do rock'n'roll: The End -  The Doors."


Em uma rua qualquer.


- Ela morreu!
- Quem?
- Aquela moça.
- Sim, e daí?
- A gente não vai fazer nada?
- E por que fazer alguma coisa?
- Ela morreu!
- Onde?
- Ali na rua. Ela tava andando meio cambaleante, sentou-se na grama e morreu!
- Como você sabe?
- Alguma coisa me alertou quanto a isso!
- Ah tah. Não vou sair correndo quilômetros para ver alguém que supostamente não morreu!
- Vamos lá! E não são quilômetros! São metros.
- Vamos então, moleque!

Alguns minutos depois


- Aqui está!
- É, eu vi.
- Mas ela ainda tá corada.
- Sim, contando que ela tá com batom vermelho, desfaça muito bem o roxo-cor-de-morto.
- Não fale assim. Coitada.
- Que você vai fazer?
- Vou colocá-la em meu colo.
- Como assim?
- Assim, olha.
- Porra! Deixa isso aí! Ela tá morta!
- Mas ainda tá quente e corada. Só não respira.
- Deve ser porque tá morta!
- Pare de falar isso. Eu já sei dessa parte. Só quero vê-la um pouco.
- Vamos embora. A gente chama a polícia e explica tudo.
- Não. Ela ainda tá quente. Pode está viva.
- Duvido muito que esteja vida com esse tanto de sangue.
- Onde?
- Aí, entre os peitos.
- Verdade. Mas não tem nenhuma marca. De onde veio esse sangue?
- De mim é que não foi. E eu que não quero saber.
- Seja mais delicado.
- Delicado o caramba! Você pode ficar cutucando um defunto e eu se falo com mais energia sou indelicado.
- Não estou cutucando ela. Estou segurando-a.
- Não importa! Vamos logo!
- Não vou. Ela deve estar viva e ouvindo isso.
- O que é isso?
- Você sabe o que é. É uma moça.
- Isso não mongol. Ela morreu com as mãos fechadas?
- Ué. Não. Só com a esquerda.
- Abre e ver o que tem.
- Eu não. Isso é muita intimidade.
- Ah tá! E você ficar todo excitadinho por esse corpo não é muita intimidade não?
- Não estou excitado. Estou anestesiado.
- Chame do que quiser! Vou abrir eu mesmo.
- Não.
- Vou sim. (algum tempo depois) Não dá.
- Por que?
- Tá duro demais, ela não abre a mão.
- Por que será?
- Deve ser porque isso é um DEFUNTO! VAMO LOGO!
- Não.
- Então fica aí!
- Vai embora não. E se ela acordar?
- Tá com medinho é?
- Não, não é isso.
- Então o que é?
- Espera.
- O que?
- Ela abriu a mão.
- E o que tem na mão dela?
- Isso aqui.


Horas depois, voz de uma TV.


"Senhoras e Senhores. Os cientistas ainda não conseguiram explicar, mas hoje o Sol nasceu no horizonte, com a cor azul. Foi pedido para que toda a mídia espalhe por todos os ouvidos. O frio que tem matado milhares de pessoas no mundo inteiro, parece não atingir certas pessoas. Pessoas essas, se diferenciam por idéias contrárias ao governo, à própria mídia, à grandes críticos. Eles dizem que podem sentir o cheiro de mil rosas colombianas em toda rua e sentem-se com uma temperatura agradabilíssima."


Voz do entrevistado


"Eu não sinto frio algum. Só uma vontade imensa de fazer o que eu quero fazer."


Repórter


"Portanto, pedimos aos senhores, em nome da Segurança Nacional, que não saiam de suas casas. Permaneçam plugados nas tomadas e esqueçam do mundo lá fora, pois uma onda de distúrbios lisérgicos está atacando a maioria da população...


Espere um pouco.


Chegou agora uma notícia de última hora. Numa alameda qualquer de uma rua qualquer, que outrora todo o seu verde tinha secado, hoje amanheceu coberto com milhares de lírios e narcisos e tudo indica que foi o sangue de uma jovem, a mesma jovem que estava no roseiral, debruçou-se sobre a grama e tudo começou a nascer. Isso foi um relato, de uma das testemunhas do local. Mas voltando à outra notícia, tranquem suas casas..."


Ela partiu. E nunca mais voltou. 

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