This is a call



Ela estava com a casa limpa, janta feita, tudo organizado e com cheiro de Pinho Sol. Deitada com uma camiseta velha e uma calcinha quase infantil, rolava na cama esperando o sono chegar. “Vinte e três horas” anunciava a rádio e começa uma música de quatro versos. A rua está silenciosa e não faz tanto frio.
O celular toca. Ele resolveu ligar depois de 6 dias sem dá sinal de vida. Pede pra dormir na sua casa, está bebendo e queria vê-la. Ela quase chora e sorrir. Diz que está com saudade. Pede pra vim logo. Ele desliga o telefone dizendo as mesmas três palavras que sempre dizia.
Ela levanta e corre para se aprontar. Pinta os olhos de negro e a boca de vermelho. Passa rouge pra esconder os caminhos de água que tinha nas maçãs do rosto. Abre a porta e o portão e acende todas as luzes. Esquenta a janta e prepara a roupa pra ele dormir quando chegar. Uma camiseta e uma cueca nova.
Tira da cama o colchão e o estende na sala. Usa o lençol vermelho de cetim e separa o edredon verde mesmo querendo que ele não a deixe sentir frio. Ela apaga todas as luzes e deixa apenas duas velas na sala pra deixar a casa laranjada.
“Zero hora e doze minutos”, anunciava a rádio. Ele ainda não chegou e nem ligou. Ela não quer ligar pra não parecer insistente. Ela senta na escada da varanda e espera ele chegar.
“Zero hora e quarenta e seis minutos”, “Uma hora e três minutos”, “Uma hora e trinta e cinco minutos”... “Três horas e trinta e nove minutos” anunciava a rádio. Ela dorme do lado de fora da casa. As horas se chegaram, o frio chegou, a tristeza veio, mas ele não apareceu. Ela liga para o número que chama sem parar e ninguém atende.
Ela entra e fecha a porta, tempo suficiente para seu celular começar a vibrar. É o número. Ela fica alguns segundos guardando para si vontade de atender e dizer que já não precisa vim. Dizer que já é tarde demais e que precisa dormir. Ela para. Ensaia algumas boas palavras como: nossa, esqueci! Mas ainda pode vim, eu estou com saudades. Ela atende e a voz do outro lado não é dele, nem tampouco de um de seus amigos.
A voz veio doce e atirou com uma doze em seus ouvidos, carregada de malícia e um cansaço, uma risada safada que perguntava quem estava do outro lado da linha. Uma moça, com uma voz jovial sorria muito com ele.
“Três horas e quarenta e um minutos”.