Ele

- Faz um tempo que não nos sentamos para conversar, mas hoje não quero falar delas que sou eu. Hoje quero falar dele que são eles, então, puxe uma cadeira e vamos nos sentar. A conversa é longa e já é tarde. Eu te empresto um short para você ficar... Como dizia, hoje vou me prestar ao papel de falar dele. É definitavamente encantador. Como uma fera. O nome dele é desnecessário para a conversa, mas quando me referir a ele, e farei isso muitas vezes, você vai entender de quem estamos falando.
 Ele tinha lábios avermelhados e olhos de caçador. Todas as mulheres eram alvos e nenhuma delas era o centro de seu coração. Com algumas passou muito tempo, com outras as poucas horas que demorava para que ela se entregasse ferozmente na cama. Com outras, ainda passa algum tempo, em pensamento.
 O ouvido aguçado, podia perceber a risada de sua próxima vítima a quilômetros. Já sabia ele o que dizer para tê-la na mão. Como quem nada queria, como quem nada sabia... impregnando-se como um fungo na pele delas, ele ia se escondendo atrás desses ultrajes. Deixando mulheres loucas e frágeis, ouvindo tudo o que elas tinham a dizer e as matando de curiosidade. Deixando as coisas desamarradas, deixando pegadas por onde passou.
 Mas ainda me lembro do dia em que ele dançou só. Lembro de sua queda, como se assistisse ela de um prédio ao lado. Chegara uma nova moça na redondeza e todos temiam pelo seu passado. Seus cabelos eram a moldura perfeita para esconder o que havia por trás de máscaras de outros carnavais que ela veio. Uma pele que lembrava porcelana e no seu ventre, fogo. Seu andar e seu falar era, o que se pode chamar de charmoso. O corpo adolescente e a boca convidativa, feita perfeitamente para aquele corpo. Olhos amendoados que se responsabilizavam sempre em estar delineados. Que não se engane, ela não era bonita, mas acabava prendendo a atenção de todos os machos da espécie e assim, os comentários das fêmeas. Óculos para fim de tarde, shorts jeans à noite, all star. Era o que ela precisava para que mais nenhuma entrasse em seu território.
 Ele, como os demais, deixou o queixo cair. Enquanto pensava se era ou não era, enquanto o seu eu o puxava para si e ele apenas seguia os passos dela. Os seus amigos riam descontroladamente da garota que parecia ser a vítima de tal crime. "Ele não ficará por muito tempo enjaulado. Um leão, um coelho, nasce para um único propósito: o mundo." 
 Porém, com o tempo, as cordas de seu violão já não tocara mais as músicas que costumava tocar. Distorciam-se, bendiavam-se, ao tom que era ditado por ela. As palavras escritas, diziam ao pé do ouvido dele, que algo estava errado com ele mesmo. Ele perdeu seu violão e sua mente. O álcool parecia já não ter muito sentido para o que ele queria. No ápice de sua loucura encaminhada, ela acena tchau.
 Seu estômago se desencadeia e se tranca. Não há comida que entre, nem água que pare, nem substrato que saia. O seu corpo parece depender de algo que sua alma repugna. Ela o visita e o deixa novamente. Apaga as luzes, fecha as portas. Eu vi aquele homem se tornar um garoto nas mãos pequenas daquela moça. Mal tinha ela chegado, parecia sempre estar de partida. Mas sempre ficava.
 Eles dividiam o mesmo lençol e cigarro. Mas estavam anos-luz de distância de si mesmos. Eu pensei que aquela loucura toda acabaria colocando-o em choque, e ao olhá-lo hoje eu tenho certeza disso. O seu talento dominado por ela. Seu corpo sujeito ao perfume das pernas dela. O gosto dela era o que matava a sede e na sua cama que os melhores sonhos voltavam a cabeça dele. Satisfazê-la era o primeiro pensamento dele ao acordar. Olhava ele para o lado, sentia o cheiro de suas pernas, via seus pequenos seios arrepiados de frio, e só queria que a sua alma aceitasse o seu corpo.  Os sonhos dele já era olhar as costas dela em sua barriga. Seu cobertor eram seus braços. O que lhe afaga são seus cabelos. Esperar que ela chegue. Esperar que ela fique. Creio que ele jamais poderá ser como antes era. Ela o domou muito bem. Fez dele gato e altar.
 Mas parece que o azar rir para esse cara. Já não bastasse o seu passado, o medo, a insegurança e todas as outras correntes que o prendem ao chão, agora terá de lidar com a ausência de tal moça. Ela se foi e levou com ela, guardado em caixas, sua fraqueza. Agora ele traz no rosto as olheiras de noites mal dormidas, um estômago vazio e o corpo fraco. Sua cama parece o Pacífico mais agitado que nunca. Seus dias correm sem sentido para lugar nenhum e a parte mais doída é não vê-la de manhã. Já não tem mais pés tamanho 34, descalços e sustentado pela ponta andando pela casa. Suas camisas não a vestem mais. Seu suor é único e exclusivo seu, não dela. O perfume não inunda a casa. Ele está seco. Esperando os Carnavais para vê-la.

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