flamedua

 

 Estou indo embora para um quarto cheio de espelhos. Imagino que voce deve saber do que estou falando. Exatamente isso, estou indo realizar o seu desejo. Você me deu a música que eu precisava e em troca disso, pegou meu corpo para teu bel-prazer. Hoje eu estou indo para a sala cheia de espelhos e eu te encontrarei lá.
  Você definitivamente não resiste a mim. É como se eu fosse para você, o bife mais suculento do menu. Então, você me pede e me espera ansiosamente. Eu então sou servida em uma bandeja de prata, e você vorazmente, rasga minha carne em teus dentes, mastigando minh'alma lentamente, me misturando a tua saliva, me engolindo cautelosamente, enquanto lava teu paladar com vinho.
  Estou indo embora e como se sabe, não há volta. Não há quem conheça o que se tem depois da ponte, não há quem saiba como se passar por ela tranqüilamente. Estou indo pra lá. Talvez de lá, possa lhe dizer algumas coisas cara a cara.
  Você realmente não resiste a mim. Me sinto sendo tua presa. Você me olha de longe por entre os pés-de-algodão (que estão altos), com teus olhos amarelos, cerca-me sutilmente, e quando vejo você, está em cima de mim com teus dentes cerrados em minha pele, olhando me nos olhos e rasgando o meu corpo, as minhas costas. Me joga então pela boca no chão, e de meu ser tira a paz. Persegue meu cheiro e meu sabor, tornando-se um caçador de sua própria morte.
  Estou indo embora e não vou de trem. A estrada deve ser caminhada lentamente. Os caminhos parecem ser muitos, mas nada mais é que um emaranhado de caminhos que formam um teia, e todas no levam para o centro do alvo. De lá, talvez seja mais difícil ser atingida pelos dardos que estão jogando aqui, talvez eu esteja por perto.
  Você naturalmente não resiste a mim. Você passa por mim e me joga mentiras. Olha nos meus olhos com teus olhos vermelhos e me tempera ao teu gosto. Joga verdades e se esconde. Impenetrável és tu! Uma rocha afundada em tamanhas mágoas que nem você mesmo sabe onde se encontra teu espírito. E meu corpo se aprisiona a você, como se fosse mais um membro de tua anatomia. Ora me corta, ora me usa, ora precisa de mim, ora me quer. Sou teu baço. De tudo o que você tem, sou o que te deixa mais humano.
  Estou indo embora e vou agora. Me esconderei no recôndito de meu pai e no braço de minha mãe descansarei minha cabeça. O que meus olhos viram, aos poucos vai ser deixado para trás. A tua silhueta na porta será apenas mais um borrão de minha cabeça. Não haverá imagem que me lembrará você, ou perfume, ou tempo, ou canção.
  Você certamente não resiste a mim. Sou teu medo maior e teu maior sonho. Sou o que te levanta nas madrugadas secando tua garganta. Puxo teu ar e massageio os teus pulmões. Te dou a juventude que você perdeu, assim como eu tenho perdido a minha. Vendo teu corpo a prestação. Te passo de mão em mão e sorrio pra você. Você não resiste a mim. Você não teme a mim. Você é o meu espelho.

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