Preto


Ricardo Caldeira - flickr.com/samba_raul

Eu costumava esperar os ponteiros acertarem-se para que eu acertasse o tempo de minha vida. Eu costumava acordar cedo, fazer meu café, olhar pela janela para ver como estava o tempo, banho, trabalho. Eu costumava beber com os amigos no fim de semana. Esperava o semáforo abrir e fechar, me indicar hora de seguir e parar, ou prestar atenção. Era minha rotina sagrada, meu trabalho sagrado, o horário sagrado para fazer tudo, sem atrasos ou canetas espalhadas pelo quarto.

Acostumei-me em aliar o chapéu e às vezes flexionar as sobrancelhas. Tudo sempre igual para que eu não perdesse o ritmo, para que eu não perdesse o tempo, para que eu não perdesse o meu dinheiro, para que eu não perdesse meu apartamento, para que não perdesse a guarda de meus cães... O tempo, o tempo! Eu esperava sempre pelos ponteiros, pelo relógio digital de minha mesa de trabalho, pelos ponteiros....

Até que no dia que tirei férias do trabalho, percebi que o tempo se esticava, demorava pra passar. Andando pela cidade com meus cães eu vi ela andando de bicicleta. Shorts jeans recém cortados, sem sutiã ou chinelo, e com uma camiseta fina de algodão cor-de-goiaba. Os cabelos acobreados e seu cinto preto... Em total leveza e poder fez meu ser elevar-se e cair de vez no chão. Ao mesmo tempo que sentia que minha mente não sentia efeitos da gravidade, sentia meus pés pesados, sem conseguir me mover para nenhum lugar. O tempo parara naqueles breves momentos e com uma sensação de flutuar e cair eu acabei perdendo a hora da leitura.

Desde esse dia, tenho procurado em todos os lugares os meus ponteiros, meus relógios, meus horários... Os de ponteiro pararam, os digitais marcam sempre a mesma hora, os de corda pulam no playground... Eu não sei quando comer, não sei quando beber, não sei quando trabalhar ou quando ir ao banheiro. Minhas férias foi deitar no sofá esperando o tempo passar. Mas não passa!

Ela quebrou o tempo. Ela quebrou o tempo. Ela quebrou o tempo.

"Working from seven to eleven every night,
It really makes life a drag, I don't think that's right.
I've really, really been the best of fools, I did what I could.
'Cause I love you, baby, How I love you, darling, How I love you, baby,
How I love you, girl, little girl.
But baby, Since I've Been Loving You. I'm about to lose my worried mind, oh, yeah."

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