Sobre Lúcia

Ela tinha olhos de fita, que registravam e gravavam os meus mais singelos gestos de agonia. Terna, esbanjava a sua suavidade de pena sobre minha pele de pedra. Na tentativa de acalentar o turbilhão de dores que meio seio teimava em criar, abraçava-me e me levava a um futuro dado a nós duas como incerto, improvável, impossível e, no momento, tão real.

Eu tinha todos os medos do mundo: medo deles, medo dos que me rodeiam, medo de mim. As dores se misturaram naquelas alegrias contadas no fundo da casa e, de repente, a sensação de cair - novamente - se fez verdadeira. Pensava comigo que não era possível que, ainda que em outra estação, o destino tivesse me colocado novamente para cair, sem chão. Na minha mente, todas as quedas eram sentidas por horas a fio. Nem mesmo meu corpo físico poderia suportar todas pancadas em um momento só, todas as dores de uma só vez, todas as feridas expostas ao mesmo tempo. As costelas doíam como ao bater nos portões, os dentes travavam no mesmo bruxismo de quando meu corpo foi usado como consolo e eu segurei o grito, as mãos cerradas apertava os dedos tal como eu fazia para me proteger do velho cigano e a solidão me acometeu lembro-me do recente e constante abandono.

Mas ela, com mãos de edredon velho em dias longos, acalentou-me em seu peito, tranquilizou-me em seu seio. E eu, em detrimento de meu orgulho, deixei-me levar pela doce lembrança de um futuro que jamais tivemos.

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